A dona de casa Erni Almeida ainda não conseguiu assimilar o impacto emocional que sofreu depois de receber uma carta destinada a sua mãe, Zilá Bueno da Silva, falecida em 2004, aos 67 anos. Ao abrir a correspondência da Secretaria de Saúde de Alvorada, descobriu que se tratava de uma convocação para encaminhamento de uma consulta solicitada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em meados de 2000. Onze anos depois da morte da paciente, o documento soou como um deboche para a família.
Trazer de volta a memória da mãe, inesperadamente, revoltou Erni, que acompanhou de perto todo o sofrimento com problemas de saúde ao longo dos últimos anos de vida da mãe. A consulta, marcada há 15 anos, deveria ter sido o início do tratamento de uma febre reumática, doença que fez Zilá ficar sem caminhar por um período.
Como não houve encaminhamento para a consulta pelo SUS, a família procurou atendimento particular médico em Sapiranga, onde Zilá iniciou o tratamento e acabou se recuperando. Anos depois, na mesma cidade, ela teve novas complicações provocadas por uma pancreatite, que foi a causa da morte, poucos dias após os primeiros sintomas.
– Jamais esperava que essa carta ia chegar. É um desrespeito com toda família. Mandarem carta para recadastramento de alguém que já morreu? Perto de um fim de ano, de finados, quando tu já passa por tudo aquilo, né? Parece um deboche. Lembrar disso agora é só tristeza – diz Erni, emocionada.
A carta foi enviada ao endereço da família, no bairro Formoza, em 16 de dezembro. O prazo para encaminhar o atendimento se encerrava nesta terça-feira. Por isso, o neto de Zilá, Jeferson Almeida, resolveu tornar público o documento, como forma de protesto ao caos da saúde pública.
– Estava com essa carta comigo desde o dia 16, perto do Natal. Deu a coincidência de ser hoje (ontem) o último dia que ela (Zilá) deveria se apresentar lá (no posto de saúde). Então resolvi compartilhar isso para mostrar que as coisas não estão tão boas assim como alguns dizem, né? – ironiza o neto.
Agora, depois da convocação para a consulta da mãe, a família tem de conviver com uma ferida que já estava praticamente cicatrizada.
– Para nós trouxe uma lembrança dos momentos ruins que passamos com ela. Todo aquele sofrimento. O tanto que a vó sofreu por problemas de saúde. Não sei como não conseguem ter um controle de alguém que já morreu. É revoltante – protesta Jeferson.
Falha em sistema motivou carta
A troca do sistema de informática da Secretaria Municipal de Saúde, em 2011, é o que explica o documento enviado para uma paciente morta há 11 anos. De acordo com a prefeitura de Alvorada, 30 mil pessoas que acabaram ficando fora do cadastro durante a mudança estão sendo contatadas desde janeiro de 2013.
Como essas pessoas não constavam no novo sistema, elas poderiam ficar sem atendimento, alega a prefeitura. São procedimentos e casos anteriores a 2008, conforme o Executivo.
A assessoria de comunicação da administração municipal admitiu que podem ocorrer novos casos de famílias receberem cartas destinadas a pacientes que já morreram e que a prefeitura preferiu correr esse risco a deixar pacientes sem consulta.
"Na busca para solucionar o problema, a Secretaria de Saúde tem realizado contatos por telefone e carta para reagendamentos dos pacientes mais antigos e em alguns casos podem ocorrer desistências, pessoas já terem feito suas consultas, não serem encontradas no endereço ou fone ou até falecido no período", diz trecho da nota.
Além das correspondências, pacientes que têm encaminhamentos anteriores a 2008 estão sendo orientados a procurar o setor de Marcação de Consultas da Secretaria de Saúde, na Rua Roberto Souza Feijó, 147, parada 48, no Centro de Alvorada.
*Zero Hora