Era dezembro, mas entre as ruas da Vila Nova Dique, no Bairro Rubem Berta, nenhuma casa lembrava a proximidade do Natal. Não havia luzes ou algum enfeite mais alegre. Só olhares desconfiados a cada casa.
- De que jeito vamos ter clima de festa, se toda a semana tem alguma família voltando de velório? Isso não é vida. A gente costumava ficar na frente de casa no final de cada tarde, conversando. Hoje, nem isso. O negócio é se recolher para dentro de casa e rezar - desabafa a moradora de 44 anos, que prefere não ser identificada.
Tiroteios e execuções apavoram moradores de vilas na Zona Norte da Capital
É que na região dos arredores do Porto Seco, na Zona Norte da Capital, nem a velha estratégia de "não se envolver" tem bastado para não ser alvo dos tiros. Por ali, todos ainda comentavam a morte de Francisco dos Santos Nunes, 59 anos, no começo da noite do domingo, dia 13 de dezembro.
Nos bairros da Capital:
Rubem Berta - 95 assassinatos
Restinga - 52 assassinatos
Sarandi - 48 assassinatos
Santa Tereza - 34 assassinatos
Lomba do Pinheiro - 34 assassinatos
Partenon - 18 assassinatos
Ele foi atingido por disparos que deixaram outros três homens feridos. Uma moradora, que tomava chimarrão ali perto, teve a garrafa térmica perfurada por um dos disparos.
- Quem se envolve ou fala demais, já era. Pelo menos era assim - diz outro morador.
A Nova Dique está no coração da zona mais conflagrada pela violência na Região Metropolitana em 2015. Com 95 assassinatos no ano, se fosse uma cidade, o Bairro Rubem Berta seria a sétima mais violenta da região.
O bairro - antes de ser desmembrado pela criação de novos bairros no final do ano - tem um terço da população de Novo Hamburgo, por exemplo, mas teve dez homicídios a mais do que o município do Vale do Sinos.
Conflito
Conforme o levantamento do Diário Gaúcho, desde 2012 o Rubem Berta é o bairro mais violento da Capital, mas em 2015 a marca é recorde. Uma alta de 53,2% em relação aos 62 assassinatos de 2014. O ponto nevrálgico dessa alta está justamente na região do Porto Seco. Foram 38 crimes nessa área.
E, enquanto o medo entre os moradores é um sentimento comum, a naturalidade dos criminosos surpreende.
- Outro dia mataram um rapaz ali (Avenida Bernardino Silveira Amorim), ainda era dia. O cara que atirou simplesmente subiu na bicicleta e seguiu, bem devagarinho pela rua com uma pistola na mão. O que nós vamos fazer? Só dá para abaixar a cabeça e fingir que não viu - diz um morador de 33 anos.
Ele é um dos que chegou àquela região com a transferência de moradores da Vila Dique, no Bairro Sarandi, há cinco anos. Na época, as autoridades de segurança alertavam para o barril de pólvora que se anunciava, com o choque de quadrilhas rivais no tráfico. Hoje, quem conseguiu vender a casa no loteamento - mesmo que a transação não seja legal -, fez. Quem ainda não conseguiu, lamenta.
- Na nossa antiga vila não era um mar de rosas, mas parece que tinha mais respeito. Isso aqui é um inferno - critica uma moradora.
Drogas, armas e cadeia, a mistura explosiva
Os confrontos entre facções em Porto Alegre estão entre os principais fatores que impulsionaram a alta nos homicídios em 2015. Em pelo menos 32 bairros da cidade há confrontos entre grupos rivais ligados a facções criminosas que têm seus comandos nas cadeias. Conforme o levantamento do Diário Gaúcho, atualmente, são pelo menos seis zonas conflagradas pelas mortes do tráfico.
A guerra do tráfico na região do Porto Seco, por exemplo, envolve criminosos da Vila Vitória da Conquista, ligados à facção dos Abertos, contra criminosos ligados à facção dos Bala na Cara, que atuavam na Nova Dique - boa parte deles já expulsos dali. Um confronto que se expande pelas ruas da vizinha Vila Santa Rosa, onde estariam os pontos de tráfico mais valorizados da região.
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*Diário Gaúcho