Na semana em que a Justiça Federal do Rio de Janeiro aceitou denúncia envolvendo a cúpula da Petrobras no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), um debate em torno dos rumos da Operação Lava-Jato ressurge: quando a força-tarefa avançará nas suspeitas relacionadas ao período, a exemplo do que fez com as gestões do PT?
O caso cuja denúncia foi aceita pela 3ª Vara Federal do Rio envolve o suposto pagamento de propina da empresa holandesa SBM Offshore a dirigentes da estatal de 1999 a 2012 - entre eles Jorge Zelada, Renato Duque e Pedro Barusco. Os três são alvo da Lava-Jato, mas por suspeitas relacionadas a fatos ocorridos na administração petista.
Recentemente, veio à tona a informação de que Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras e delator da Lava-Jato, atrelou a compra da petrolífera argentina Pérez Companc ao pagamento de US$ 100 milhões em propina ao governo FHC (1995-2002). Sem contar as menções feitas por delatores ao ex-presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), morto em 2014, e ao senador Aécio Neves (MG), do mesmo partido. Para petistas, a demora nas apurações seria indício de seletividade.
A hipótese é rejeitada pelo procurador Roberson Pozzobon, que integra a força-tarefa em Curitiba (leia a entrevista abaixo). Não só por ele, mas também pelo presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti. Ambos afirmam que a distância temporal impõe uma série de limitações técnicas aos investigadores.
- O governo FHC acabou há 13 anos. Os fatos são antigos. Em qualquer investigação, a tendência é se concentrar nos episódios mais recentes primeiro. Mas tenho certeza de que os procuradores estão atentos a tudo - diz Robalinho.
Um dos problemas relacionados ao passar dos anos, segundo Pozzobon, é a dificuldade em relação às provas. O presidente da Associação do Ministério Público do RS, Sérgio Harris, concorda:
- Quanto mais distante dos fatos, mais difícil é a apuração. Isso vale para qualquer caso e qualquer crime, só que ninguém tem bola de cristal para saber se essas investigações vão se aprofundar ou não. Quem imaginava, lá no início, que a Lava-Jato teria tantas fases? - pondera Harris.
Há ainda o risco de prescrição, quando expira o prazo pelo qual um crime pode ser punido. O obstáculo é citado por Pozzobon e, na opinião do jurista Ives Gandra Martins, tem fundamento.
- O problema da prescrição é uma realidade. Além disso, a equipe que está atuando na Lava-Jato é reduzida, então é mais fácil apurar primeiro o que se tem certeza de que não vai prescrever - afirma Ives Gandra.
Para o jurista Dalmo Dallari, é preciso ter garantia de que o prazo de fato se perdeu. Se ainda houver chance de punição, entende que as dificuldades impostas pelo tempo "não justificam a inércia dos responsáveis pela investigação". Dallari lembra que, na gestão FHC, já circularam indícios de corrupção e nada foi feito.
- O que se verificou, e isso configura a seletividade, foi que, durante o governo Fernando Henrique, os procuradores permaneceram inertes e depois passaram a agir intensamente, a partir do governo Lula - conclui Dallari.
Incerteza alimenta embate político
Para a coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Unesp, em Franca (SP), Rita de Cassia Biason, a apuração das suspeitas envolvendo o PSDB seria importante para "reequilibrar a balança" da política nacional.
- O que vemos hoje é o discurso de vitimização do PT, que se diz perseguido, e o discurso do PSDB, de que seus integrantes são probos. Uma nova frente de investigações poderia tirar isso a limpo. Seria bom para esclarecer os fatos - afirma Rita.
O cientista político Joel Formiga, da Fundação Instituto de Administração, de São Paulo, também defende a averiguação das suspeitas, mas faz uma ressalva:
- É claro que o ideal seria retroceder ao máximo. Agora, se ficar provado que a questão temporal impede o aprofundamento, não creio que isso aumentaria a sensação de impunidade. Esperar que a Lava-Jato seja a solução para a corrupção é ilusório.
Rastros tucanos na Lava-Jato
A informação de Cerveró
O ex-diretor da Petrobras e delator da Lava-Jato Nestor Cerveró afirmou que a venda da petrolífera Pérez Companc envolveu propina ao governo FHC de US$ 100 milhões. As informações vieram à tona no último dia 11, a partir de um resumo dos depoimentos prestados por Cerveró antes da delação. O ex-diretor não explica para quem teria ido a suposta propina.
A citação a Aécio Neves
O delator Ceará afirmou ter levado R$ 300 mil a um diretor da UTC Engenharia no Rio, em 2013. O diretor teria dito que o valor seria repassado ao senador Aécio Neves (PSDB-MG). Nesta semana, veio à tona o vídeo da delação, no qual Ceará diz ter ouvido que Aécio era "o mais chato" na cobrança de propina. A assessoria do senador afirmou que a citação "é falsa e absurda".
O envolvimento de Sérgio Guerra
Ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa afirmou ao MPF ter repassado propina de R$ 10 milhões ao ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra (morto em 2014) para que ajudasse a esvaziar a CPI da Petrobras em 2009. O dinheiro seria da Queiroz Galvão. O delator Carlos Alexandre de Souza Rocha, o Ceará, também citou o fato.
Pedidos de doação à OAS
Mensagens de texto obtidas em celulares pela Polícia Federal (PF) mostram solicitações de doações eleitorais ao ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, condenado a mais de 16 anos de prisão na Lava-Jato por envolvimento em desvios. Os pedidos partiram de ao menos três parlamentares oposicionistas, entre eles o deputado federal Jutahy Júnior (foto), do PSDB-BA.
"A corrupção é apartidária"
O procurador da República Roberson Pozzobon, integrante da força-tarefa da Operação Lava-Jato, nega que haja seletividade nas investigações e diz que "a corrupção é apartidária e endêmica". Segundo ele, há limitações técnicas para investigar os fatos ocorridos no governo FHC, decorrentes, principalmente, do tempo que se passou.
Por que a Lava-Jato não avança nas investigações sobre suspeitas na gestão FHC?
O principal motivo é a dificuldade que decorre do tempo passado. Quando falamos do governo FHC, falamos em pelo menos 13 anos atrás. A passagem do tempo dificulta muito as investigações.
Quais são as limitações?
Existe dificuldade para reunir provas e tem, também, a questão da prescrição criminal, que nos impede de investigar muitas suspeitas. Em delitos de corrupção, a pena-base fica entre dois e 12 anos, de modo que, via de regra, esses delitos prescrevem em no máximo 16 anos. E ainda tem a prescrição retroativa, uma excrescência do nosso sistema. Se descobrirmos indícios de corrupção em 2002, podemos investigar. Mas, dependendo de quanto durar o processo e da pena, o caso pode estar prescrito ao final da ação. Seria como jogar fora o trabalho.
Petistas afirmam que há seletividade nas investigações da Lava-Jato. Isso ocorre?
É absolutamente inverídica essa informação. Na Lava-Jato, temos milhares de irregularidades para investigar e recursos escassos. Atuamos no que tem mais chance de ser esclarecido. Se tem um fato do ano 2000 envolvendo propina de R$ 1 milhão e outro de 2012, envolvendo R$ 50 milhões, a gente aposta no mais recente, porque é mais fácil reunir provas e também pelos valores envolvidos.
A opção por se concentrar nos fatos recentes não faz com que os casos que ainda não prescreveram se percam de vez?
Fazemos esse juízo também. Analisamos, a cada ano, quais fatos vão prescrever e vemos os que têm chance de êxito e que podem ser investigados de forma rápida. Mas temos de tomar decisões difíceis, que nada têm a ver com seletividade. O PT e os partidos de sua base ocupam o poder desde 2003, então é natural que o espaço do PSDB seja limitado. Isso não significa que o PSDB não fez nada errado. A corrupção é apartidária e endêmica, mas temos limitações e precisamos agir de forma estratégica.
Nomes como Jorge Zelada, Renato Duque e Pedro Barusco já estavam na Petrobras no governo FHC. Por que as investigações se concentram no período da gestão petista?
Os principais delitos deles se concentram na gestão petista. Barusco disse que recebeu propina antes de ser gerente de engenharia, mas, depois que assumiu o cargo, passou a praticar ilícitos numa dimensão maior, por ter poder maior. São tantos fatos graves que se estenderam até recentemente para apurar, que seria emprego indevido de recursos escassos concentrar esforços sobre irregularidade praticadas há muito tempo, com poucas provas.
Aécio Neves foi citado em delação. Como está a apuração disso?
Esses fatos estão sob investigação na Procuradoria-Geral da República (em Brasília). Não sei os detalhes.