A morte do jornalista Róger Bitencourt, atropelado por um motorista embriagado no último domingo, na SC-401, em Florianópolis, expôs novamente o cenário conturbado das ruas e estradas de Santa Catarina. Reverter o quadro das estatísticas negativas no trânsito passa diretamente por mudanças que exigem medidas a curto e longo prazo. A alteração desse panorama só ocorrerá, sentenciam especialistas, se forem iniciadas ações em três frentes: educação, conceito de trânsito e impunidade. Para as duas primeiras, as medidas vão surtir efeito a longo prazo. Mas, para combater a impunidade é necessário agir imediatamente.
No caso do atropelamento do último domingo, por exemplo, o motorista da Parati que atingiu Bitencourt e outro ciclista tinha se envolvido em mais um acidente em 2010. Naquela ocorrência ele também estava embriagado, pagou fiança e foi liberado. A decisão administrativa que suspendeu a carteira de motorista dele foi publicada em 16 de novembro de 2015, ou seja, cinco anos depois do crime.
-Dificilmente quem comete crime de trânsito é condenado. Isso faz com que as pessoas cometam infrações sem se preocupar com punição. Não basta dizer para não beber e dirigir, tem que se fazer refletir sobre a consequência disso, o que está por trás da infração e trabalhar a raiz do problema - aponta a mestre em Educação com pesquisa em campanhas educativas para o trânsito, Irene Rios.
O combate a isso a curto prazo, explica Irene, só pode ser feito com fiscalização. Mas, as medidas de impacto a longo prazo envolvem educação. Um trabalho que inicia na família e vai até as escolas.
- A educação precisa ser feita com qualidade, não só distribuir panfleto em semáforo. Não adianta o professor dar a orientação se o pai fala que não precisa, se ele bebe e dirige. Começa na família e na escola é uma continuidade, onde o professor pode trabalhar o assunto de trânsito junto com o conteúdo previsto - detalha Irene.
O terceiro fator, e talvez o mais complicado, passa pela forma com que o trânsito é pensado. A especialista em planejamento e gestão de trânsito Márcia Pontes destaca o culto ao carro como problema. Desde as ações governamentais até o pensamento dos condutores influenciam na ideia de que os veículos motorizados precisam ter prioridade:
- Quando se fala em trânsito, se leva para o motorizado. As pessoas não pararam para pensar ainda na harmonização entre veículos motorizados, pedestres e ciclistas. Os motoristas também têm muito egoísmo, pensam que a via é deles e que não precisam dar espaço.
Os acidentes com mortos e feridos na SC-401, em Florianópolis, e em outras partes do Estado mostram que as relações entre ciclistas e motoristas precisam de ajustes urgentes. Entre os cicloativistas, é unânime que o desrespeito no trânsito com quem usa bicicleta é diário. O ciclista Ari Boehme critica as ações voltadas para os carros, com pouca estrutura para as bicicletas:
- Estamos em uma civilização carrocentrista. O planejamento é todo para os carros. Cidades têm que abrir espaço para pessoas.
O presidente da Associação dos Treinadores de Corrida (ATC) de Santa Catarina, Fabiano Braun, relata que os corredores e ciclistas penam com falta de informação por parte dos motoristas. Muitos desconhecem as regras de trânsito para pedestres e ciclistas. Para combater essa desinformação, ele garante que a ATC promoverá campanhas:
- Faremos campanhas e vamos cobrar o governo para que sejam feitas fiscalizações da Lei Seca. Vamos mudar esse cenário criando ações para repassar informação.
A especialista em gestão e planejamento de trânsito, Márcia Pontes, reforça que o ciclista precisa ser visto como parte do trânsito, e não como um empecilho:
- O veículo motorizado reina e esse é o maior motivo de não ter harmonia entre ele e o pedestre. O ciclista é visto como alguém que atrapalha o trânsito, mas a bicicleta foi reconhecida pela ONU como tipo de veículo mais sustentável e limpo.