Dos 600 habitantes de Bento Rodrigues, distrito da cidade de Mariana, em Minas Gerais, destruído após rompimento de duas barragens de rejeitos de uma mineradora, cerca de 150 tiveram de passar a noite de quinta para sexta-feira na Arena Mariana, no centro da cidade.
As buscas pelas pessoas ilhadas pela lama recomeçaram na manhã desta sexta. Desalojados pelo mar de lama que tomou o distrito, os moradores relatam cenas de horror na hora do acidente.
- Um caminhão passou buzinando feito louco, avisando que a barragem se rompeu. Ele foi parando e gritando: "Pula! Pula!". As pessoas foram se jogando na caçamba, uma sobre as outras. No final, o caminhão nem estava mais parando para o pessoal entrar - conta a dona de casa Rosa Helena da Silva, de 46 anos, uma das vítimas abrigadas no ginásio poliesportivo da cidade.
Segundo Rosa, quando o grupo chegou a Santa Rita, um vilarejo vizinho, cerca de 60 pessoas estavam no caminhão.
- Não teve aviso, não teve nada, só esse caminhão que passou buzinando. Muita gente ouviu os gritos do caminhoneiro, mas não entendeu ou não acreditou e ficou - diz.
A dona de casa relata ter visto crianças vomitando por causa da lama com resíduos da mineradora.
- Um homem estava com as duas pernas quebradas - afirma.
Ao jornal Estado de Minas, um jovem lembrou que só teve tempo de salvar a vida.
- Foi como um filme de terror. Gente gritando, correria. Ouvimos zoeira e muito barulho. Subimos em uma pedra alta e só deu pra ver a lama vindo muito rápido. Só deu tempo de salvar a vida. Não dá pra pensar em pegar nada. Vi gente ficando para trás e que não dava pra ajudar. É um sentimento horrível. Nem sei ao certo quantos morreram e quem são. Agora é Deus que sabe, né. Aqui não dá pra ficar mais - afirma Marcone de Souza, 19 anos.
Os relatos também mostram cenas de heroísmo em meio à enxurrada de lama.
- Salvamos umas 12 pessoas. Incluindo três crianças. Tivemos que pular no barro e tiramos as pessoas de dentro da lama. Estávamos tentando socorrer familiares, e os bombeiros e a polícia dificultando quando deveriam estar nos ajudando. Disseram que iam nos prender se passássemos. Era nossa família gritando. Tinha gente a poucos metros, e fomos nós que pulamos no barro e entramos no meio do mato - relembra Jefferson Inácio, 28 anos, ao jornal mineiro.
Pelo menos 120 moradores do distrito de Bento Rodrigues passaram a noite na Igreja de Nossa Senhora das Mercês, uma das duas igrejas do vilarejo destruído pela queda da barragem. Resgatadas por equipes dos bombeiros e da prefeitura de Mariana, que conseguiu abrir caminho da estrada até a igreja, as pessoas chegaram na Arena Mariana por volta das 20h. Os moradores passaram a noite em claro.
- Meu filho estava de carro e nos levou até a igreja. Não sobrou nada de nossa casa - conta a dona de casa Dirce Breta Sobrera, de 73 anos.
Com um pé enfaixado, ainda atônita, ela diz que não sabe como se machucou:
- Foi na correria.
Moradores das regiões de Paracatu e Paracatu de Baixo também tiveram de deixar as casas, pois havia risco de serem atingidas pela lama de rejeitos.
As equipes de resgate continuam trabalhando na busca por vítimas. Foram confirmados, até o início da manhã desta sexta-feira, pelo menos duas mortes e 14 desaparecidos. As barragens se romperam por volta das 16h de quinta-feira, entre Mariana e Ouro Preto, a 110 quilômetros de Belo Horizonte.
A lama atingiu rapidamente o distrito de Bento Rodrigues. O Ministério Público Estadual de Minas abriu inquérito para apurar as causas do rompimento das barragens.
*Zero Hora, com Estadão Conteúdo e agências