Mulheres que participavam da Feira do Livro Feminista e Autônoma (FLIFEA) de Porto Alegre divulgaram uma nota no blog do evento relatando que foram vítimas de violência policial. A nota (leia abaixo na íntegra) informa que elas foram agredidas durante uma abordagem da Brigada Militar e que nove delas ficaram feridas, sendo quatro com maior gravidade, necessitando de atendimento médico.
As participantes relatam que a BM chegou ao local do evento, a praça João Paulo I, entre a Avenida Jerônimo de Ornelas e a Rua Santa Terezinha, no bairro Santana, supostamente devido ao barulho. Durante a abordagem, os policiais teriam sido "extremamente agressivos" e desferido golpes em mulheres que filmavam a ação.
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A advogada especialista em Direitos Humanos Tâmara Biolo Soares viu um vídeo que mostra a abordagem da BM ao grupo:
- Os policiais chegaram para bater. É revoltante. Se o problema era o barulho, poderiam ter resolvido com uma conversa. As imagens mostram elas fugindo, e os policiais correndo atrás para bater.
O comandante do 9º Batalhão da Brigada Militar de Porto Alegre, tenente-coronel Marcus Vinicius Gonçalves Oliveira, afirmou que dois policiais foram ao local do evento, por volta das 23h15min, por causa de "um grande número de ligações" de pessoas que reclamavam do barulho.
Segundo Oliveira, eles teriam pedido ao grupo que baixasse o volume ou deixasse o local. Sobre as denúncias de violência, Oliveira disse que o grupo tentou "investir" contra os policiais, que chamaram reforço.
- Consta no histórico (da ocorrência) que houve uso de força moderada para conter agressões. Vamos instaurar um inquérito para averiguar a conduta dos policiais.
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Oliveira disse que está conversando com uma advogada que integra o grupo e que solicitará imagens gravadas pelas participantes para investigar o caso.
De acordo com Tâmara, as vítimas devem denunciar formalmente as agressões na terça-feira à Corregedoria da BM, ao Ministério Público e às comissões de defesa dos direitos humanos da Câmara de Vereadores e da Assembleia Legislativa.
- Estamos vivendo uma fase de agravamento dessa violência policial, que só gera mais violência. Essa ação da BM é irresponsável e gravíssima. Observamos que virou regra: bater, depois perguntar.
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Outro problema, conforme a advogada, é a inércia dos órgãos de controle das forças policiais, as corregedorias:
- Esses órgãos existem, mas não há punição. É preciso fazer cessar esses abusos, com diálogos entre o Estado e os movimentos sociais, que estão sendo criminalizados.
Na tarde desta segunda-feira, as feministas organizaram uma caminhada em protesto contra a violência policial, com início no local das agressões e término na Feira do Livro.
O que diz a nota das feministas:
"URGENTE! Pedido de solidariedade - Agressão policial durante a FLIFEA
Desde o início da FLIFEA sofremos perseguições e agressões machistas e fascistas, com ameaças, provocações e presenças hostis, que foram constatadas e enfrentadas em cada momento. Mas o que aconteceu nesta noite de domingo (01/11/15) merece uma denúncia específica para apontar a violência estatal que expressa a misoginia institucional que violenta mulheres sistematicamente.
Na noite de domingo, estava acontecendo um ensaio artístico, com a presença de em torno de 20 mulheres, e uma viatura chegou com dois policiais que vieram supostamente devido ao barulho. Eles filmaram e intimidaram as mulheres presentes que estavam falando com eles, o que gerou reações de proteção entre as mulheres, como se organizar para ir embora e filmar a situação. Em seguida chegaram outras viaturas com mais policiais que foram extremamente agressivos e marcadamente racistas desde o início e tentaram deter uma de nós de maneira violenta, o que desencadeou uma série de agressões físicas por parte da polícia das quais nove mulheres ficaram feridas, sendo que quatro gravemente e precisaram de atendimento médico.
Muitas agressões aconteceram de maneira simultânea, havendo inclusive policiais que sacaram armas de fogo - um deles sacou uma arma e ameaçou várias de nós dizendo "eu vou queimar você". Entre as ameaçadas nessa situação, uma das mulheres inclusive avisou que estava grávida, o que não foi relevante para os policiais. Dois moradores que estavam na praça no momento do ocorrido também foram agredidos com cacetetes pela polícia. As mulheres que estavam com celulares foram alvo específico de agressões, e dois celulares foram roubados pelos policiais. Algumas das mulheres que tentavam fugir eram perseguidas e derrubadas e não conseguiam sair das agressões dos policiais. Caídas no chão, apanhavam com cacetetes e chutes, enquanto outras voltavam pra colocar seus corpos como escudos para tentar protegê-las e tirá-las dali. Essa cena se repetiu sucessivamente, e, em meio a espancamentos com cassetetes, as mulheres conseguiram chegar até as proximidades do Hospital de Clínicas, quando os policiais finalmente se dispersaram.
Em nenhum momento companheiras ficaram para trás, conseguimos nos reunir em segurança para escrever este relato e para chamar a solidariedade de todas as pessoas que possam nos apoiar neste momento. A feira está programada para continuar suas atividades na segunda feira (02/11/15), no mesmo local onde ocorreram essas agressões. Considerando que mulheres chegarão desavisadas do ocorrido, temos que nos fazer presentes e precisaremos de todo o apoio possível. Começaremos o dia com uma roda de conversa sobre essa situação. Precisamos da presença da maior quantidade de pessoas possível para garantir a continuidade da feira nesse último dia. É assim que a gente revida, não nos calando e resistindo juntas, não apenas na disputa pela rua e o espaço público, mas também contra um sistema que não admite a auto-organização de mulheres e que se sente ameaçado pela nossa existência insubmissa. Foi escancarado o acréscimo de ódio que a misoginia teve nesse episódio, e sentimos que isso precisa ser enfrentado pela nossa sobrevivência, por todas nós que vivemos na guerra desse mundo contra as mulheres."
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