A pacata cidade de Tapira, no noroeste do Paraná, deflagrou queda de braço com o Rio Grande do Sul pela posse de mais de 200 imóveis de propriedade do Estado no município, de quase 5,8 mil habitantes. Os terrenos, hoje ocupados por diversos órgãos públicos, como escolas, prédios e até um estádio de futebol, são herança do tempo em que a cidade foi colonizada, na década de 1950. Os bens foram descobertos em meio a um levantamento patrimonial do governo estadual. A prefeitura afirma que, na prática, os terrenos já são seus, mas uma comitiva gaúcha embarca no início de dezembro para o local e fará levantamento das matrículas para pensar no destino das construções.
– Não tem nada disso (de propriedade do Estado). Já tem casa em cima, estádio, escola. As pessoas querem regularizar, é só isso – resume o prefeito Delfino Marques da Silva (PSB).
O imbróglio resultou em uma ação judicial curiosa e que foi vista com ineditismo por técnicos do Estado. Inconformada com os direitos de posse do RS sobre um terreno, a procuradoria de Tapira ingressou com processo para desapropriar o Estado do local.
– Não é comum ver um município querendo desapropriar um Estado – garante o procurador Alexsandro Leopoldo, que atua na Secretaria de Modernização Aministrativa e Recursos Humanos (Smarh) do RS.
Nesta quarta-feira, a cidade amanheceu impactada pela repercussão da notícia de que tantos terrenos do município são registrados em nome do Rio Grande do Sul. O procurador jurídico da prefeitura, Ronald Smarzaro, já esteve em Porto Alegre para conversar com uma equipe da secretaria e se diz convencido de que o Estado fará a doação das propriedades. Em alguns casos, a regularização é necessária para que o município possa obter financiamentos. A escola de Ensino Fundamental da cidade pretende conseguir recursos federais, mas, como ela, no papel, é do RS, isso não é possível.
– Somos um município pequeno, qualquer vila de Porto Alegre é maior do que a gente. Ficou claro que o Rio Grande do Sul vai fazer a doação definitiva, estamos trabalhando em parceria – garante Ronald.
Apesar da certeza do advogado, a pasta quer se certificar da utilidade de cada um dos bens antes de permitir a doação. Alexsandro Leopoldo é um dos responsáveis pelo contato com a prefeitura e diz que não há nada garantido:
– Desconheço qualquer acordo para doação. Não significa que não vamos doar, mas não tem nada certo. Precisamos, antes, ver o que temos lá.
Pente-fino para encontrar mais bens
A existência de mais de 200 terrenos de propriedade do Rio Grande do Sul em Tapira (PR) surpreendeu o governo do Estado e provocou inquietação sobre a extensão da carteira imobiliária, objeto de uma força-tarefa da Secretaria de Modernização Administrativa e Recursos Humanos (Smarh). Um dos objetivos da pasta pactuados para este ano é a regularização de 2 mil bens para posterior venda ou permuta.
A principal dificuldade enfrentada pelo governo ficou mais evidente após a descoberta dos terrenos, prédios e casas no noroeste paranaense. Cada vez que o Estado tenta fazer o levantamento do patrimônio, precisa deslocar servidores e averiguar uma série de documentos. O investimento nem sempre é recompensado, já que, em muitos casos, os técnicos encontram imóveis sem valor ou com problemas legais.
Em meio às pesquisas feitas pelas equipes da secretaria, foram encontradas matrículas de imóveis também no Rio de Janeiro (um apartamento onde está instalada a Defensoria Pública) e até em Tocantins. No Rio, o governo acredita ter propriedades em Copacabana. O titular da pasta, Edu Olivera, diz que o trabalho de busca dos bens é prioridade:
– Estamos em estado de permanente pesquisa. Foi assim que localizamos a situação de Tapira. Mas, claro, precisamos ter alguns cuidados. Não ficaria bem para o Rio Grande do Sul chegar no Paraná para retomar o terreno de uma escola, por exemplo. Vamos ter de analisar com calma o que fazer com esses imóveis.
Na semana passada, a secretaria assinou um convênio com a Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI) para agilizar o processo de preparação de editais de leilão de imóveis do Estado. Outro problema é saber quanto vale cada propriedade. As primeiras devem ser postas à venda em dezembro.
Como se formou o patrimônio
- A formação do patrimônio do Estado em Tapira teve influência direta do Banco Pelotense, que era dono de uma colonizadora, mas faliu nos anos 30 e teve parte dos ativos incorporados ao Banrisul.
- A cidade começou a ser colonizada em 1957 pela Colonizadora Rio Bom, que passou a ser de propriedade do Banrisul. Um grupo de paulistas e paranaenses desbravou parte das terras e se instalou em locais dos quais o banco era dono.
-Na época, Tapira fazia parte do distrito de Maria Helena, município de Cruzeiro do Oeste. A cidade começou a tomar forma apenas na metade da década de 1960, quando os colonizadores conseguiram construir casas e prédios.
- Em 2 de fevereiro de 1967, é criado oficialmente o município de Tapira. A partir de então, os territórios de propriedade do Rio Grande do Sul e ocupados por colonizadores passaram a ser comercializados e ocupados por repartições públicas.