A comunidade Olívio Zanotelli, em Colatina (ES), é o retrato da dificuldade que o município vem enfrentando na distribuição de água para população, estimada em mais de 122 mil habitantes. Com o abastecimento pelo Rio Doce suspenso desde o dia 18, uma das vilas mais carentes da cidade recebeu os primeiros galões de água mineral somente cinco dias depois. Enquanto isso, um reservatório com 10 mil litros de água potável, que não é usada para beber pelos moradores, foi instalado em um ponto central do bairro de 3 mil pessoas.
Diariamente, estão sendo montados 16 pontos de distribuição. O Exército faz a entrega, organiza filas gigantescas - que, muitas vezes, superam mil pessoas - e monitora para que não haja nenhuma confusão, como aconteceu no primeiro dia do serviço, na quinta-feira passada. Alguns moradores subiram nos caminhões e pegaram mais litros que os outros, o que gerou revolta na comunidade do bairro Santos Dumont, um dos primeiros a ser atendido. Outro fator que também colaborou para o tumulto foi a cota máxima de apenas dois litros por pessoa. Um dia depois, um protesto foi organizado no bairro para reclamar da distribuição.
Foto: Anderson Fetter / Agência RBS
Por conta disso, o Ministério Público Estadual (MP-ES) notificou a prefeitura de Colatina para que os pontos de distribuição fossem ampliados para 100. O órgão também solicitou uma reorganização das tarefas. A prefeitura informou que não tinha efetivo suficiente para atender a demanda, mas algumas medidas foram tomadas para melhorar a situação.
O limite de água subiu para 10 ou 12 litros por pessoa e o clima de aparente normalidade foi restabelecido no dia seguinte. Além disso, os moradores podem pegar sua cota, voltar para o fim da fila e pegar novos galões, se ainda houver água. Moradores de outras comunidades podem ainda ir aos bairros vizinhos, o que também ajudou a minimizar a tensão. Agora, segundo o capitão do Exército, Thiago de Albuquerque, a população está mais confiante no serviço.
- A missão, diária, é entregar 170 mil litros de água. Então há água para a pessoa pegar mais de uma vez, desde que ela respeite a disciplina, tenha respeito com outras pessoas da fila, para que todas possam pegar. A população tem entendido nosso trabalho para não acontecer mais nenhum tipo de tumulto. As pessoas confiam que vão receber a água - afirma.
Jorge Tavares, que percorreu a fila de centenas de pessoas na comunidade Olívio Zanotelli, é um exemplo do esforço que está sendo feito pela população. Ele passou duas vezes pelo caminhão. Cada volta na fila demorava em torno de cinco minutos. Mas era muita gente para pegar água ontem, o primeiro dia de água na comunidade.
- É a segunda vez que vim para o fim dessa fila. Tenho que pegar água para a minha filha, meus netos e meu irmão. Fazer o quê? A gente precisa de água para sobreviver.
O último galão de água de 10 litros foi entregue nas mãos de Ivone Nepomuceno. Era para a filha. Esforço de mãe.
- Vim lá de Maria Ismênia para buscar água para a minha filha, que está trabalhando. Quando não dá para pegar em um bairro, a gente vai em outro. É complicado, mas a gente tenta e consegue. Devagarzinho, com fé em Deus, sempre consegue, né? A água é a coisa mais importante para nós. Sem comer a gente passa um dia. Agora, sem água não dá. O corpo da gente sente muita necessidade - diz Dona Ivone.
Em Minas, população faz velório a céu aberto para o Rio Doce
O último banho no Rio Doce antes da chegada da lama
"Estão pensando em me botar num asilo", diz idosa
Os quatro dias sem o abastecimento normal de água em Colatina são ainda mais difíceis na casa da família da Maria Gomes. Cadeirante, precisa de ajuda para tomar banho e fazer as próprias necessidades. A dificuldade enfrentada nos últimos dias é tão grande que faz com que a ida para um asilo tenha sido cogitada pela filha.
- Uso fraldas, faço xixi na cama e minhas roupas não podem ser lavadas. Estão pensando até em me botar num asilo. Eu acho que eu não aguento, porque adoro minha neta - diz a idosa, que tem dificuldades na fala por causa de uma ataxia cerebelar, hereditária, e um AVC sofrido há cerca de 10 anos.
Foto: Anderson Fetter / Agência RBS
A neta, Ana Caroline, tem apenas três anos, e também não quer ficar longe da avó. Não compreende, ainda, o que está acontecendo. Mas, segundo o relato da família, já pode notar as mudanças na rotina.
- A gente trabalha o dia inteiro para chegar lá e não ter água. Fica difícil para lavar a roupa, a louça, tomar banho. É um problema maior ainda para a minha mãe. Ela é cadeirante, então é complicado para ela se abaixar e se molhar com o balde - comenta a filha, Cristiane Gomes.
- Não estamos acostumados a viver numa situação dessas. Temos que carregar baldes de água todo dia depois do trabalho, cansado. E às vezes tem água, às vezes não tem. Aí só no outro dia - acrescenta o marido, Giovani dos Santos.
Rota da Lama
Zero Hora percorre o rastro de devastação provocado pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco ao longo do curso do Rio Doce. A primeira parada foi na localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que registrou mortes, desaparecimentos e foi praticamente extinta. A segunda parada foi em Paracatu de Baixo, também em Mariana (MG), onde a lama destruiu as casas e se acumula em blocos de um a dois metros de altura. Em seguida, nossos repórteres visitaram Rio Doce, Governador Valadares e Tumiritinga. Em outra frente, no Espírito Santo, a reportagem já passou por Colatina e seguiu em direção a Linhares, no litoral capixaba. Veja abaixo todas as matérias que já foram publicadas: