Em países com uma forte tradição de solidariedade, há muito envolvimento com causas públicas, o que pressupõe doações. Na Inglaterra, percebi que o hábito de fazer doações é uma cultura disseminada que envolve inclusive os pobres. Entidades como a Anistia Internacional vivem graças a esse compromisso de desconto mensal de algumas libras, prática regular na maioria das famílias. A mesma postura acompanha o movimento social pelo "fair trade" (troca justa), em que as pessoas escolhem comprar produtos pagando mais por eles se isto significar benefícios a uma cooperativa na África, por exemplo. As crianças são educadas a se envolver em causas sociais e todos fazem algum trabalho voluntário. No Brasil, há muita gente que dedica sua vida a ajudar os demais, mas, ainda assim, somos pouco solidários. Talvez esse déficit explique o tipo de reação daqueles que, diante de um gesto solidário - ainda que simbólico - se apressem em desqualificá-lo.
Desde os atentados em Paris, por exemplo, se repetem os comentários críticos à própria comoção pública com base no argumento de que ela seria seletiva. "E os atentados na Nigéria, praticados com igual crueldade pelo Boko Haram, por que não produzem as mesmas reações?" "E a tragédia de Mariana, por que vocês não se mobilizam para apoiar as vítimas?" Perguntas do tipo se repetem. Muito bem, é evidente que a repercussão das tragédias tem muito a ver com a proximidade - não apenas física, mas cultural e simbólica. Uma boate que se incendeia na Romênia não mobiliza nossa atenção da mesma forma como a tragédia da Kiss. Uma reação universal às tragédias pressupõe um tipo de sensibilidade que tornaria a vida um sofrimento infinito, o que, na prática, inviabilizaria qualquer solidariedade. Para os indivíduos concretos, haverá sempre uma escolha a fazer no gesto solidário. O importante é que a escolha seja feita, e que aqueles que não querem ajudar pelo menos não atrapalhem. Quem acha que Mariana é mais importante e urgente que Paris deve fazer algo por Mariana. Simples.
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Na noite da próxima segunda-feira (23), Luiz Eduardo Soares lança seu novo livro em Porto Alegre: Rio de Janeiro, Histórias de Vida e Morte (Cia das Letras, 256 págs.), um trabalho instigante com perspectivas inovadoras para o debate. A sessão de autógrafos será na Livraria Cultura, no Shopping Bourbon Country. Às 19h, estarei com o autor em uma conversa sobre violência e segurança pública, no auditório da livraria. Apareçam!