Não adiantou voltar pela segunda vez na agência do Bairro Passo D'Areia, na Zona Norte de Porto Alegre. Mesmo com horário marcado, o comerciário Maurício Becker Pinheiro, 22 anos, retornou para casa de mãos abanando. Por conta da paralisação nacional dos médicos peritos do INSS, que hoje chega ao seu 48º dia, a perícia de Maurício, que seria ontem, foi novamente remarcada, desta vez para o dia
27 de outubro.
Com problemas de saúde, o jovem deixou o trabalho como gerente de um supermercado há três meses. Diagnosticado com depressão, não consegue fazer a perícia e, portanto, não recebe nem salário da empresa nem auxílio do INSS.
Coincidência
Por uma infeliz coincidência, sua primeira perícia havia sido marcada justamente para 4 de setembro, primeiro dia da greve da categoria.
- Meu filho precisa passar pela perícia para comprovar que não pode trabalhar no momento. Primeiro, marcamos para setembro, depois, remarcamos para esta terça-feira. Agora, mais uma vez, vamos aguardar a nova data - conta o aposentado Assis Rogério Pinheiro, 51 anos, pai de Maurício e que o está ajudando nos trâmites.
Segundo ele, a família está gastando muito com remédios para recuperar Maurício. O auxílio-doença faz falta.
- Se não reclamarmos, nada muda, nada acontece ou melhora. Somos atendidos aqui como se eles prestassem um favor para nós. Isso não é um favor, é direito. Pagamos impostos para isso - desabafa.
Negociação parada
O drama de Maurício é compartilhado por milhares de gaúchos. Segundo a Associação Nacional de Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP), mais de 97 mil atendimentos deixaram de ser realizados no Estado devido à paralisação. Os profissionais reivindicam aumento de 27% e modificação no plano de carreira. As negociações com o governo, afirma a ANMP, pouco evoluíram.
Enquanto isso, segurados como Camila Carlos da Silva, 33 anos, auxiliar administrativa que precisa renovar o auxílio-doença a cada seis meses, devido a uma depressão pós-parto, sofrem com os efeitos da paralisação.
- Cheguei a ficar um mês sem receber por conta da greve. Eu já estava ficando apertada com as contas - fala.
Mais de 97 mil perícias atrasadas
De braços cruzados há 48 dias, os médicos peritos do Rio Grande do Sul já deixaram realizar 97.440 atendimentos nas agências do INSS. O cálculo é feito com base em dados da ANMP: são 210 peritos parados no Estado, sendo que, cada um realiza, por dia, uma média de 14,5 atendimentos - foram, até o momento, 32 dias úteis de greve.
O INSS não divulga dados estaduais relativos às perícias. Já os números nacionais de pessoas afetadas diferem. De acordo com o Instituto, mais de 450 mil perícias deixaram de ser feitas. Já a ANMP contabiliza 650 mil pessoas prejudicadas pela paralisação.
De acordo com a médica Clarissa Bassin, diretora da ANMP, o maior problema no Estado é a defasagem de pessoal.
A recomendação da Associação é que a categoria priorize os atendimentos de quem busca a primeira perícia, para que comecem a ganhar o benefício o quanto antes. Mesmo assim, muitas agências ainda estão com dificuldades neste controle de agenda.
A orientação do INSS
- Os segurados que agendaram perícia médica devem ligar para a Central Telefônica 135 e consultar previamente a situação do atendimento na unidade.
- Quem não for atendido em razão da paralisação dos peritos terá sua data de atendimento remarcada. O segurado poderá confirmar a nova data também por meio da Central 135.
- O INSS considerará a data originalmente agendada como a data de entrada do requerimento, a partir de quando serão gerados os efeitos financeiros nos benefícios.
Decisão garante pagamentos
A presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Jane Lucia Berwanger, lembra que uma decisão da Justiça do Rio Grande do Sul garante que o auxílio-doença seja pago automaticamente caso o agendamento da perícia médica ultrapasse os 45 dias. Neste caso, o segurado pode procurar um advogado ou defensor público para garantir seus direitos.