*Jornalista e mestranda em Comunicação e Informação pela UFRGS, morou dois anos na China
A decisão do governo chinês de aliviar o planejamento familiar e terminar com a política do filho único vai trazer uma série de impactos econômicos e culturais. A mudança já era esperada. Em 2013, o governo anunciou uma flexibilização e, em julho desse ano, a Comissão Nacional de Saúde e Planejamento Familiar havia sinalizado publicamente a possibilidade de estender a todos o direito de ter dois filhos.
As razões, claro, são econômicas. O anúncio foi feito durante encontro do Partido Comunista focado em reformas financeiras e a manutenção do crescimento entre 2016 e 2020. Pela primeira vez em décadas, a população em idade ativa caiu, o que vai causar um desequilíbrio demográfico. Na prática, vai faltar mão-de-obra para fazer o país andar.
As mudanças culturais, entretanto, devem ser maiores. O país se acostumou com anos de muito mimo de seis adultos em uma só criança (mais ainda se essa criança fosse um menino). O filho único era o depositário dos sonhos de pai, mãe, avós paternos e maternos, que faziam tudo por ele. Não só pelos desejos de um futuro brilhante e bem-sucedido, mas também para ter quem olhasse por eles na velhice, como manda a tradição do país. Fora a desvalorização do nascimento de meninas, que gerou um infanticídio que se tornou problema de direitos humanos nas décadas de 1980 e 1990, com sanções sérias para médicos que revelavam o sexo dos bebês durante o pré-natal.
Além disso, foram décadas em que algumas palavras deixaram de fazer parte do vocabulário do dia a dia: 弟弟 (dì di, irmão mais novo), 哥哥 (gē ge, irmão mais velho), 姐姐 (jiě jie, irmã mais velha) e 妹妹 (mèi mèi, irmã mais nova) já eram raridades nas famílias. Como a cultura chinesa dá nome para cada grau do parentesco de acordo com a linha de ascendência (materna ou paterna) e a idade, todo um vocabulário específico para designar tios, primos, primas e sobrinhos estava rapidamente desaparecendo.
Muitos chineses passaram décadas "dando jeitinhos" para tentar burlar a lei e ter mais filhos, mas a expectativa é que, mesmo com a autorização governamental, o crescimento populacional deve ser lento. A geração que nasceu na década de 1980 já teve seu filho único e não parece muito interessada em despender mais tempo, dinheiro e expectativas em uma nova criança. Nos dois anos em que vivi em Beijing, convivendo com amigos e colegas de trabalho chineses, vi casais se frustrando pela impossibilidade de ter uma casa com mais risos infantis, mas também vi jovens aliviadas pela lei, já que a pressão para ser mãe em tempo integral era muito menor quando se tinha apenas uma criança. A mudança é grande e significativa. Agora, é esperar e ver se os chineses atendem ao pedido do governo por mais mão-de-obra.