O secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, acredita que a vinda da Força Nacional ao Rio Grande do Sul só seria bem-vinda em situações temporárias e por um período determinado. Natural de Santa Maria e delegado da Polícia Federal, Beltrame esteve em Porto Alegre na noite desta terça-feira para palestrar no 3º Seminário sobre Sociologia da Violência e Direitos Humanos, na sede do Ministério Público.
A violência no RS é similar à de outros Estados?
Para o secretário, o efetivo só deve atuar em um local se houver uma razão "muito bem justificada" e com propostas claras, mas admitiu que não está por dentro da situação da segurança pública gaúcha. Beltrame também falou sobre a pressão à polícia para conter a violência e criticou a falta de união com outras instituições.
Confira a entrevista completa:
O senhor disse no seminário que, se fosse possível, cada cidadão queria um policial para chamar de seu e que a segurança pública precisa do auxílio de outras instituições. Qual o significado desta frase?
Segurança Pública não é só polícia. Existe uma confusão gerada desde a Constituição de 88, capítulo 144. Se você lê, fala só em polícia, não fala de outras instituições. Não fala em segurança primária, secundária, terciária, setorial, que são todas ingredientes, que a própria ONU recomenda que se faça. Ele não fala em lei, Ministério Público, Tribunal de Justiça, sistema prisional, perspectiva para a juventude, em ações sociais de prevenção ao jovem que está em situação vulnerável. Se tudo isso que falei não for tratado, a polícia vem a ser consequência de todas essas falhas. Então, não adianta fazer um debate desses falando em polícia, polícia, polícia, porque se não vai ter que ter um policial para cada um. O que nós temos de começar a ver é discutir polícia, é cobrar as coisas da polícia, mas também ver as causas que levam a um cometimento do crime. Porque se não você vai estar dando um remédio para dor de cabeça para quem está com dor de estômago. Esse paciente vai morrer tomando esse remédio, sendo que a causa dele é provocada por outra coisa. E ninguém fala em violência urbana. A violência urbana está exacerbada nesse país. O país perdeu a capacidade de seduzir o jovem a não ir para o crime. E aí cai na polícia.
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Quais seriam as causas desse jovem estar no crime?
Se você pegar o conceito de violência urbana, ele é uma série de diferenças sociais, desemprego. O meio muitas vezes faz a pessoa. É uma série de questões, mas todas produzidas com seus efeitos, com questões ocorridas na sociedade. Aí você tem mecanismos, sejam municipais, estaduais, federais, que têm de agir além do ingrediente polícia. Teve um repórter que me fez uma pergunta no interior de Goiás: "secretário, o que tem de fazer para acabar com a o problema da segurança?" Ser um país desenvolvido. Ou tu achas que na Alemanha os índices de criminalidade são baixos porque a polícia é boa? Porque a sociedade é outra. A polícia é outra. O momento é de parar e tirar das coisas da polícia o que não é dela. Tirar das costas da polícia esse conceito amplo de 88. Que pra mim foi o erro do legislador. Legislador botou ali tudo que ele não quer mais. Tudo que ele não queria mais naquele momento era polícia. Até porque vinha de um regime totalitário. Então deixaram a polícia para segundo plano. Tanto que nós não temos verba que a saúde e a educação tem. Agora, passaram-se 30 anos, agora tá aí... a polícia tem de estar lá para evitar o crime, tem, mas há de se dar outra perspectiva para a pessoa não vir roubar, não vir matar. E isso não é função da polícia.
Diante de alguns episódios de violência ocorridos na Capital, os prefeitos de Porto Alegre e de Novo Hamburgo solicitaram ao secretário da Segurança do RS a vinda da Força Nacional. Wantuir Jacini disse que não seria necessário. Qual a sua visão sobre isso?
A Força Nacional é muito bem vinda para situações temporárias. Nós fizemos uso da Força Nacional e do Exército por um período aonde tínhamos que produzir efetivo para cumprir determinadas lacunas. Tem de ser algo muito bem justificado para que se venha por dois motivos. Primeiro porque você cria expectativa na população e você não tem certeza que esse problema vai ser resolvido. E segundo, porque você tá sempre criando a expectativa de que a Força Nacional ou qualquer outra instituição pode ir embora. Então você pode até trazer, mas tem de ser uma proposta muito clara, objetiva, concreta, e fundamentalmente por um período determinado. Fica à critério do governador.
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Dados do primeiro semestre mostram que, proporcionalmente, em Porto Alegre se mata o dobro do que no Rio de Janeiro...
Sendo bem sincero, tô muito por fora. Tenho problema 25 horas por dia para estar vivendo Rio Grande do Sul, Santa Catarina... Nem as reuniões de colégio tenho ido mais. Mas temos de ter um olhar muito sério para a violência urbana. Hoje, a gente vê as pessoas prematuramente entrando no crime, a população crescer em índices geométricos, e a capacidade do Estado de produzir serviços para atender a população não cresce, em razão de custo e burocracia, com isso se perdeu a capacidade de antecipar o cometimento de crime.
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As UPPS ajudariam a diminuir a violência em outros Estados?
A UPP é um projeto muito carioca. Porque lá dentro nós temos armas de destruição de massa, são armas para garantir território. Então você tem armas com energia de dois, três quilômetros, com capacidade de tiros no âmbito de uma guerra mesmo. Então a UPP é exatamente um projeto focado para esse tipo de situação. Quando você tem um território garantido por armas de guerra. Aonde você diagnosticar isso, possivelmente caiba uma UPP.
Tivemos episódios de violência no bairro Santa Tereza onde ônibus foram queimados e pessoas mortas. E a população comentou que Porto Alegre estaria virando o Rio de Janeiro, questionando soluções efetivas.
Não tem solução mágica. A polícia faz um trabalho preventivo, se tiver fôlego para fazer, mas muitas vezes há determinadas manifestações que são justas, e outras, como no Rio de Janeiro, que o próprio tráfico está por trás, fomentando, no sentido de desmoralizar o trabalho da UPP. É um projeto que está salvando vidas. Sem dúvida, o Comando Vermelho que era a facção maior, está partindo para outros delitos, porque aquele reino acabou. Claro que a ideia não é acabar com a droga, é acabar com o império da arma. Porque a droga ninguém vai acabar. Isso é utopia.
Em função de arrastões constantes no Rio de Janeiro, há algum projeto para conter a violência, principalmente para o ano de Olímpiada?
Os arrastões, se vocês olharem um ano atrás, os últimos foram na época eleitoral, porque invariavelmente, em época eleitoral, historicamente, o Rio de Janeiro tem histórico de arrastão. Então nós tivemos em outubro do ano passado e desde lá montamos a operação verão. Então tivemos agora este, na semana retrasada, que foi exatamente quando houve uma medida judicial onde a policia não poderia mais abordar menores que estariam em risco social. No outro domingo já teve um arrastão. Então trouxemos umas pessoas que têm expertise em risco social para que continuemos fazendo abordagens em ônibus, mas com assistência social, para ver quem está em risco social. Por exemplo, um jovem que mora em São João do Miriti, com 15 anos, que vai para praia só de bermuda, não pagou passagem, não tem dinheiro para comer, não tem dinheiro para beber, num sol de 40 graus. Não estou dizendo que ele vai roubar, mas estou levando ele para a casa do albergado porque, na nossa convicção, ele está numa situação de risco social. Aí eu falo: onde está esse pai? Que larga um filho que não sabe para onde vai. Que está exercendo o direito de ir e vir, mas tá indo sem pagar passagem. Se não houver uma união de esforços, se não cair as barreiras entre as instituições, as coisas serão cada vez mais difíceis.