Até o fim do ano, o governo do Estado não precisará mais repassar recursos ao Fundo de Reaparelhamento do Poder Judiciário pelo uso dos depósitos judiciais - e até receberá dinheiro de volta.
Como o Tribunal de Justiça (TJ) renunciou a parte dos juros cobrados sobre os saques, o valor que o Executivo deveria transferir ao fundo em 2015 já foi excedido. O TJ devolverá cerca de R$ 26 milhões ao Tesouro - cifra suficiente para o pagamento de dois meses de transporte escolar e diárias da Brigada Militar (BM).
TJ aprova isenção de 50% dos juros dos depósitos judiciais ao Piratini
Os depósitos judiciais pertencem a pessoas e empresas em litígio na Justiça (leia os detalhes no quadro). Desde 2004, o Palácio Piratini é autorizado a pegar "emprestada" parcela do montante. Por decisão da Assembleia Legislativa tomada na terça-feira, o teto dos saques foi ampliado de 85% para 95% do saldo. Isso representará R$ 1 bilhão extra e garantirá o pagamento da folha do funcionalismo de setembro em dia.
Depósitos judiciais só garantem pagamento dos servidores em dia em setembro, diz Piratini
Como o governo do Estado se socorre com saques dos depósitos judiciais
O problema é que ampliar a dívida tem custos. Sobre o valor total sacado e não devolvido, a Secretaria Estadual da Fazenda é obrigada a pagar a taxa Selic (14,25% ao ano). Hoje, são quase R$ 90 milhões mensais.
De 2002 para cá, a diferença entre a Selic e a remuneração da poupança (que fica com os donos do dinheiro) é canalizada para o fundo do Judiciário - usado principalmente em obras de infraestrutura e em equipamentos de informática. Em média, são R$ 35 milhões por mês.
COMO FUNCIONA O SISTEMA
O sistema funciona como uma caixa d'água, alimentada por uma tubulação e ligada a duas torneiras.
1) Pela tubulação, entram os depósitos que, todos os dias, se acumulam no reservatório.
2) Sempre que precisa, o governo pode abrir um dos registros e usar até 95% do estoque, desde que pague juros sobre os saques (14,25% ao ano).
3) Os 5% restantes não podem ser retirados, para garantir que os valores das ações sigam escoando pela outra torneira (para pagar as sentenças).
Encargo pago no ano será de R$ 930 milhões
Diante da crise nas finanças, o órgão especial do TJ aceitou abrir mão de parte da verba pelos próximos quatro anos e encaminhou lei também aprovada pelos deputados na terça-feira. Com a medida, os repasses do governo ao fundo deverão diminuir em cerca de R$ 1 bilhão ao longo do período.
- Quando dizem que o Judiciário cobra juros do Executivo, fica parecendo que estamos sangrando o Estado. Não é verdade. Esse dinheiro poderia estar beneficiando instituições bancárias, mas é totalmente revertido à sociedade. Nenhum tostão é gasto com pessoal - afirma o presidente do TJ, desembargador José Aquino Flôres de Camargo.
Entenda a história do endividamento do RS
Em 2015, o governo desembolsou mais de R$ 700 milhões com os juros dos depósitos. Desse valor, R$ 306 milhões foram para o fundo, mas a nova lei limitou o repasse a R$ 280 milhões. Agora, o excedente será restituído. A operação está sendo definida por técnicos dos dois Poderes.
- O dinheiro vai ser devolvido sem nenhum problema. Propusemos o limite e vamos cumprir - diz Camargo.
Isso não significa que o Piratini se verá livre do peso da rolagem da dívida dos depósitos: continuará pagando a remuneração da poupança. A estimativa é de que o custo chegue a R$ 250 milhões até dezembro, totalizando R$ 930 milhões em 2015 - metade do valor que será sacado pela atual gestão até o final do ano.
A origem do socorro ao tesouro
- Depósitos judiciais são valores de terceiros, relacionados a ações judiciais, que ficam depositados em contas para garantir que, ao final dos processos, as sentenças sejam cumpridas.
- Desde 2004, o governo é autorizado a pegar parte do valor disponível como se fosse empréstimo. De 2006 até ontem, o limite de saque era 85% do saldo. Com a lei sancionada pelo governador, o teto passou a 95%. Em troca, o Executivo paga juros sobre o total sacado e não devolvido.
- O Executivo já gastou R$ 3,4 bilhões em juros, por ter sacado e não ter devolvido R$ 8,5 bilhões. Só neste ano, foram desembolsados mais de R$ 700 milhões. Desse valor, R$ 306 milhões seguiram para o Fundo de Reaparelhamento do Judiciário.
- Para 2015, o repasse para o fundo será de R$ 280 milhões (a previsão da Fazenda era de R$ 480 milhões). Como o governo já transferiu R$ 306 milhões, não tem mais nada a pagar e receberá de volta R$ 26 milhões.