Em setembro de 2004, o juiz Sergio Moro - então com apenas 31 anos - concluiu um artigo sobre a Mãos Limpas (Mani Pulite), a mais conhecida ação anticorrupção já desencadeada no Ocidente, que desbaratou elos entre máfia e políticos em toda a Itália. Passada mais de uma década, o mesmo magistrado responde, à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, pelo destino dos 143 acusados da Operação Lava-Jato, que apura desvios e lavagem de dinheiro da Petrobras. Coincidência?
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Amigos e desafetos de Moro afiançam que não. A Mãos Limpas é a principal inspiração do juiz para alavancar a Lava-Jato, desde Curitiba, para outros rincões do Brasil. No dia 13 de agosto, em palestra em Porto Alegre, o magistrado paranaense recordou o artigo sobre a Operação Mãos Limpas (publicado na revista do Centro de Estudos Jurídicos) e confessou ser fã da ação, desencadeada entre 1992 e 1994 na Itália e que resultou em milhares de réus, um terço deles condenado por corrupção.
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- O problema é que cerca de 40% dos crimes apurados pela Mãos Limpas acabaram sem julgamento de mérito. Boa parte se perdeu nos labirintos do processo penal italiano. Sugiro o uso da admissão de culpa, comum nos Estados Unidos, onde 80% a 90% dos casos criminais encerram-se com o reconhecimento da culpa por parte do autor (no caso do Brasil, integrantes das empresas) - disse Moro a juízes e advogados que o ouviam.
É possível comparar as duas operações, a começar pelo uso da delação premiada. A Mãos Limpas começou quando o socialista Mário Chiesa, que atuava na prefeitura de Milão, listou as propinas recebidas por todos os contratos que autorizou, da limpeza a obras. Ele também apontou cúmplices e adversários envolvidos, numa teia que atingiu toda a Itália. A Lava-Jato já tem 28 colaboradores que terão pena reduzida - e eles também não param de apontar negócios suspeitos em todo o país.
Equipe de 30 policiais é reforçada com mais 20
O gigantismo é outro paralelo entre as ações anticorrupção na Itália e no Brasil. A Mãos Limpas começou investigando propina paga por empresários e mafiosos a políticos de Milão, importante metrópole industrial italiana. Acabou atingindo parlamentares e governantes em toda a Itália. Entre 1992 e 1994, 2.993 pessoas foram presas pela operação e mais de 6 mil investigados, entre eles 872 empresários, 1.978 funcionários municipais e 438 parlamentares - incluindo quatro ex-primeiros-ministros.
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A Lava-Jato parece tomar o mesmo caminho. Surgiu para investigar doleiros e acabou realizando uma devassa nas contas da Petrobras, já acumulando 105 prisões, 716 investigados e 143 réus. Depois do petróleo, se expandiu para segmentos bem diferentes: publicidade, bancos, saúde, crédito consignado e usina nuclear. Para os próximos meses, são esperadas ramificações da Lava-Jato no setor de hidrelétricas - pelo menos duas estão na mira, Belo Monte e Jirau - e obras para navegação, além de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) concedidos para obras no Exterior.
Corrida contra a prescrição
A Lava-Jato também já avançou muito além de Curitiba. Em um ano e meio, a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) realizaram prisões e apreensões em 11 Estados, todas a partir de ordens judiciais disparadas desde o Paraná.
Os procuradores da República também estiveram na Suíça, atrás de valores desviados (já foram recuperados R$ 870 milhões e bloqueados R$ 2,4 bilhões dos réus). A realidade é que a Lava-Jato já poderia se chamar Lava-Tudo. Tanto que a equipe atual de 30 policiais federais destacados para atuar nesta investigação iniciada em 2014 conta, desde o final de agosto, com mais 20 servidores. Eles são especializados em com bate à lavagem de dinheiro, desvio de verbas públicas e crimes financeiros.
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Ao final do seu artigo de 11 anos atrás - Considerações sobre a Operação Mani Pulite -, o juiz Moro enumera vantagens da Operação Mãos Limpas. As principais: moralização das relações político-empresariais e redução em até 50% nos preços dos contratos de serviços na Itália. Não é tudo, mas é muito, resume o magistrado, que acaba de fazer palestra para 600 empresários paulistas, com o título Lições das Operações Mãos Limpas.
Integrante da força-tarefa da Polícia Federal (PF) na Lava-Jato, o delegado Luciano Flores de Lima diz que um dos desafios agora é garantir que os processos da operação continuem sendo julgados de forma célere, seja na Justiça Federal de Curitiba, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, onde fica a segunda instância, ou mesmo no Supremo Tribunal Federal (STF).
- O desfecho positivo é aquele em que todos são julgados em tempo eficaz, sem a possibilidade de prescrição dos crimes, seja para ser condenado ou absolvido. Em média, os crimes da Lava-Jato têm prazo de prescrição entre oito e 12 anos, a contar do recebimento da denúncia pelo Judiciário - explica o delegado.
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Para ele, um dos principais legados da Lava-Jato é o fortalecimento da Polícia Federal e do Ministério Público Federal no combate aos crimes de colarinho branco e de lavagem de dinheiro.
Em uma palestra para desembargadores e juízes, o delegado tomou a iniciativa de estabelecer um comparativo entre a Lava-Jato e a italiana Mãos Limpas. O policial explicou que a operação brasileira aplica o mesmo tripé utilizado na Itália: prisão, delação e divulgação. A prisão, diz, sinaliza o fim da impunidade, a delação é fundamental para chegar aos mandantes dos crimes, e a divulgação envolve a população com o assunto, gerando empatia e pressão por resultados.
- Esse tripé, que foi fundamental na Mãos Limpas, está sendo utilizado com sucesso aqui. Poucos acreditavam, antes da Lava-Jato, que pessoas de tal nível social e político seriam presas. Isso demonstra a seriedade da investigação. A delação é necessária para chegar aos cabeças das organizações criminosas - afirma.
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Embora liste semelhanças entre a Lava-Jato e a Mãos Limpas, Lima faz ponderações. Avalia que, na Itália, o desenlace da famosa operação que desbaratou um enorme esquema de corrupção entre partidos políticos e a máfia não foi positivo.
- Ocorreram alterações legislativas para facilitar a impunidade e 40% dos processos não chegaram a ser julgados - lembra.
*Zero Hora