A foto nauseante de tão comovedora do menininho sírio Aylan Kurdi de bruços e com o rosto quase enterrado às margens turcas do Mar Egeu não apenas concorre para ser um dos maiores símbolos do drama migratório na Europa. Tende, também, a provocar um momento de reversão no humor dos europeus, que têm demonstrado restrições às atuais ondas de refugiados, como mostra o infográfico abaixo.
Aylan, três anos, e seu irmão Galip, cinco, morreram na madrugada escura de quarta-feira. Acompanhados dos pais, tentavam chegar à ilha grega de Kos para, depois, realizar o sonho de se juntar à família que vive em Vancouver, no Canadá. O pequeno bote se encheu de água, alguns dos passageiros se levantaram, houve desequilíbrio e desespero, e as crianças se viram jogadas à imensidão do mar. Para trás, ficaram seus poucos anos de vida, sempre entre os bombardeios do grupo Estado Islâmico (EI) com a resistência curda e os homens do presidente Bashar al-Assad. Com a foto, esse drama se torna mais palpável.
- Minha esperança é de que uma solução para esse drama humanitário venha da sociedade, de baixo para cima. Já há sinais de pessoas que querem ajudar, que compreendem o que vive essa gente. Hoje, o cenário é de grandes restrições. Há muitos refugiados e pouca compreensão. A gente tem de entender que as pessoas, como a família do menino Aylan, fazem essa travessia de risco porque não têm como sobreviver em seu país - diz a procuradora federal brasileira Erika Pires Ramos, doutora em direito internacional e especialista em migrações.
Menino sírio afogado, irmão e mãe são enterrados nesta sexta-feira
Erika acredita que a foto tão pungente "pode trazer para perto de nós a realidade de que o mundo está em guerra". Pode, ainda, ter a capacidade de "levar as pessoas a verem que não podem se omitir".
- Vivemos um dilema entre o medo e a solidariedade - diz, citando a convenção dos refugiados, de 1951, como conquista europeia derivada do drama humanitário da II Guerra Mundial e atribuindo à crise econômica mundial as atuais restrições.
Um sinal de mudança no humor europeu parece ter se materializado nas palavras de António Guterres, alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Ele pediu a distribuição de ao menos 200 mil demandantes de asilo na União Europeia (UE) e disse que todos os países devem participar do programa.
"As pessoas que demandam proteção válida devem se beneficiar de um programa de reinstalação em massa, com a participação obrigatória de todos os Estados membros da UE. Uma estimativa preliminar mostra a necessidade de aumentar a 200 mil vagas as oportunidades de reinstalação", afirmou, em um comunicado, definindo a situação como "a maior chegada de refugiados em várias décadas" e completando:
"Exige-se um esforço comum maciço, impossível com o enfoque atual fragmentado na UE".
Guterres, um político português, conclamou a "estratégia comum baseada na responsabilidade, solidariedade e confiança".
França e Alemanha apresentaram, no dia seguinte à divulgação da foto de Aylan, iniciativa conjunta para "organizar a recepção dos refugiados e uma distribuição equitativa das famílias na Europa".
Uma das principais especialistas brasileiras em questões migratórias, a professora Deisy Ventura, da Universidade de São Paulo (USP), pediu que as pessoas "se ponham no lugar do outro" e disse:
- O refugiado não é o que deseja sair, é aquele que não pode ficar.