O mineiro Murilo Ferreira ocupa dois dos principais postos do mundo corporativo nacional. Desde 2011 presidente da Vale, maior produtora de minério de ferro do mundo, também assumiu neste ano o conselho de administração da Petrobras. Embora por causas diferentes, as duas empresas passam por uma transição, reduzindo custos e investimentos. Na Vale, devido à desaceleração da China e queda dos preços do minério. Na petroleira, o desafio inclui vencer a paralisia instalada após a eclosão dos escândalos de corrupção investigados pela Lava-Jato. Ferreira esteve na semana passada na Capital para uma reunião do Comitê de Cooperação Econômica Brasil-Japão. O executivo comanda do lado brasileiro. No evento, concedeu entrevista exclusiva a Zero Hora. Considerado próximo do governo, avalia que a principal causa da crise é externa e sustenta que, pelo menos no conselho da Petrobras, não há mais ingerência do Planalto.
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Entrevista com Murilo Ferreira, presidente da Vale e do conselho de administração da Petrobras
Depois da queda de 1,9% no PIB no segundo trimestre, como o senhor vê a recuperação da economia? Como vai acontecer?
Você sabe que houve um colapso nos preços das commodities. Matérias-primas como petróleo, gás, cobre, níquel, minério de ferro, café e açúcar, todas tiveram perda de valor muito expressiva nos últimos tempos. Não é uma situação apenas brasileira. Países como Chile, Colômbia, México, Indonésia e África do Sul também foram profundamente afetados. É um processo que terá uma recuperação tão mais rápida quanto for o restabelecimento dos preços dessas commodities. Para todos esses países, e muitos outros, isso é muito importante.
Mas então a crise da economia brasileira é mais influenciada pelas questões externas do que internas?
Na minha opinião, sim. O Brasil tem na sua pauta de produtos as commodities com um valor muito importante de sua produção industrial. E da produção agrícola também.
E qual é o papel da crise política?
Por coincidência, se verificarmos a situação política do Chile, da Colômbia, do México, da África do Sul e da Indonésia, em alguns desses países que mencionei, em todos há instabilidades. Onde os recursos estão escassos, as coisas ficam difíceis. Inclusive nas famílias.
A China passa por forte desaceleração. Quais são os impactos para o mundo, para o Brasil e para a Vale, que o senhor comanda?
A China sofre um processo de transição da economia, absolutamente administrada pelo seu governo. E, como tal, esse processo está em curso. Havia dito em meados do ano passado que esse processo demoraria em torno de 18 meses.
Então daqui a seis meses aparecerão sinais de reação?
Acredito que a China terá cumprido a maior parte de suas reformas econômicas.
O impacto maior acontece pela demanda chinesa menor ou pelo efeito que isso gera nos preços globais das commodities?
A China continua comprando o que comprava. Os outros países têm apresentado uma situação de demanda dos nossos produtos menos intensa do que a China.
Um novo ciclo de alta das commodities pode começar neste intervalo que o senhor menciona?
Não acredito. Tivemos três movimentos de superciclo. Um no começo do século passado, com o processo de industrialização dos Estados Unidos. O segundo ocorreu após II Guerra Mundial, com a reconstrução da Europa e do Japão. E o terceiro com a ascensão da China à condição de segunda economia do mundo. Não acredito em um novo superciclo tão cedo. Só poderia acontecer caso a Índia, que tem um contingente populacional tão expressivo quanto o chinês, tivesse uma ascensão tão vertiginosa quanto a China. Mas como não creio nesta hipótese, acreditamos em um ciclo mais benigno, mas não teremos um superciclo.
Como a Vale se insere no contexto de preços de minério mais baixos e que provavelmente não voltarão ao nível de anos atrás?
Com o fim do superciclo, serão menos valorizados os volumes, e mais a qualidade. Temos de nos capacitar para produzir minério de ferro com cada vez mais qualidade para pegar um segmento importante do mercado demandante de minério de ferro, níquel, cobre, carvão metalúrgico e fertilizantes.
Como o senhor avalia o processo de retomada da Petrobras em andamento?
A recuperação da Petrobras será longa porque não se defronta apenas com um problema ético e de eficiência, mas com a queda substancial do valor de seus produtos. Há poucos anos, (o barril do petróleo) chegou a US$ 146, ficou muito tempo entre US$ 110 e US$ 120. Agora está um pouco mais de US$ 40. Então, o problema da Petrobras também decorre desse colapso no preço das commodities.
E quando pode ocorrer uma recuperação de preços?
Ao nível do superciclo, não vejo mais como.
Mas seria a partir de quando e influenciado por quais fatores?
Precisa de uma recuperação da economia mundial, ao meu ver, muito mais consistente do que vemos hoje. Crescendo 3,2%, globalmente, não acredito em melhora de preço.
Se falava muito na questão da ingerência política na Petrobras. Como o senhor percebe isso agora?
Não participo do dia a dia da Petrobras. Mas posso dizer que o conselho de administração tem apreciado e tomado deliberações de acordo com o melhor entendimento de seus conselheiros. Isso posso garantir. Todos têm opinado de acordo com as suas consciências.
E as relações entre Brasil e Japão? Quais são as melhores possibilidades de estreitarmos relações comerciais?
Brasil e Japão têm uma relação histórica. Acredito que ficamos no início deste século muito parados no relacionamento. Mas vejo desde 2012, 2013 para cá, um reflorescimento, um renascimento do vigor da relação.