
Certa vez, faltando poucos dias para encerrar seu mandato como procurador-geral da República, Rodrigo Janot foi questionado se ainda tinha disposição para seguir até o fim com o mesmo ímpeto de sempre. Ele respondeu com uma frase que virou quase um bordão de resistência institucional: "Enquanto houver bambu, vai ter flecha."
Lembrei dessa máxima hoje porque o escândalo do INSS, infelizmente, continua fornecendo matéria-prima para a indignação e para esta coluna. E enquanto surgirem novos desdobramentos, é dever moral seguir atirando. Flechas de apuração, de denúncia, de cobrança.
A edição impressa de hoje de Zero Hora traz a informação de que desde 2021 a Fetag-RS já vinha alertando o governo sobre os descontos indevidos nas aposentadorias dos trabalhadores rurais. Foram quatro tentativas de chamar atenção para as irregularidades — a última delas, em maio de 2022, endereçada diretamente ao então presidente do INSS, Guilherme Serrano. Ele leu, ignorou e seguiu a vida. Os aposentados, claro, continuaram pagando.
Já o Estadão revela que o novo ministro da Previdência, Wolney Queiroz, participou ativamente do desmonte dos mecanismos de fiscalização. Em 2021, ainda deputado federal, assinou uma proposta — a pedido de entidades hoje sob suspeita — que adiava a exigência de revalidação anual dos descontos nas folhas de pagamento do INSS. A medida, criada por Bolsonaro em 2019, tinha um objetivo claro: impedir que aposentados fossem descontados ad eternum sem consentimento renovado. Mas o lobby das associações venceu duas vezes. E, com o apoio de Wolney, o instrumento de controle sumiu de vez em 2022. Resultado? A explosão dos descontos em 2023.
Diante de tanta loucura, não surpreende o Brasil aparecer atrás do Irã e da Bósnia no novo ranking de Desenvolvimento Humano da ONU. Um país continental, com recursos, gente trabalhadora e uma das maiores economias do mundo mas que é incapaz de proteger seus idosos. Incapaz de limpar o que vaza pelas frestas da máquina pública. Incapaz, acima de tudo, de se envergonhar.
O idoso toma golpe no contracheque. Reclama. Ninguém ouve. O governo responde com silêncio ou panfleto. Já o lobby segue bem nutrido, engravatado, credenciado, circulando entre os gabinetes de Brasília como se fosse força legítima da democracia. No fim, tudo se normaliza: a corrupção, o descaso, a decadência.
Mas tá certo o Janot: enquanto houver bambu, vai ter flecha. E aqui, pelo menos aqui, nesta coluna, ainda tem quem siga mirando.