A delegacia é especializada na investigação de roubos de veículos do Vale do Sinos, mas neste ano já apreendeu 1,2 tonelada de drogas na região, praticamente o mesmo índice do Denarc - o Departamento de Investigações do Narcotráfico.
O dado surpreendente revela, para a polícia, quem está lucrando mais na ponta de uma cadeia impulsionada pelo crime que mais cresce no Estado. Mesmo em tempos de crise econômica, traficantes seguem investindo em carros roubados ou furtados como uma moeda de troca muito valiosa. O Diário Gaúcho fez um levantamento para saber como essa organização criminosa impacta na vida do cidadão.
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Veículo vira droga
Levantamentos da Polícia Civil atestam que um carro popular roubado nas ruas da Região Metropolitana, depois de clonado e transportado para a fronteira com o Paraguai, retorna, em forma de drogas - na maioria das vezes, maconha - e multiplicado em até
30 vezes o valor com que foi negociado entre criminosos.
- A possibilidade de ganhos que os traficantes viram neste negócio é muito maior e menos arriscada do que um roubo a banco - afirma o delegado Rodrigo Zucco.
Os investigadores já constataram que o uso dos carros como moeda de troca foi institucionalizado. A partir das cadeias, o comando dos Manos estaria orientando criminosos a fazerem a compra das drogas a partir de carros roubados e furtados.Segundo o Ministério Público, somente um núcleo da facção chega a lucrar R$ 50 mil por semana.
- É um negócio com baixo risco de prisão e de perdas, além de garantir alta lucratividade - avalia
o delegado.
Flagrante
A apuração começou com as prisões de suspeitos com um Golf e um Cerato clonados, carregados com ecstasy, em Campo Bom, em maio. Um dos suspeitos foi liberado, mas seguiu sendo monitorado. Na semana seguinte os agentes chegaram até ele em Canoas, a partir de um Fusion roubado, que ele dirigia no Bairro Mathias Velho.
- Tínhamos a informação de que esse grupo havia recebido um grande carregamento justamente em troca de carros - aponta Zucco.
Em Canoas, os policiais chegaram a um carregamento de 520kg de maconha. No mês passado, apreenderam mais 683kg. A droga estava escondida em uma caminhonete L200 clonadas. O veículo havia sido roubado, adulterado e seguiria para Foz do Iguaçu após a entrega.
Carros sob encomenda
Segurança Pública revelam que, no primeiro semestre deste ano, 1.608 veículos foram furtados ou roubados somente entre São Leopoldo e Novo Hamburgo. Na Capital, o número é superior a 6 mil veículos.
O traficante, no entanto, raramente se envolve no roubo do carro. Ele funciona como um comprador desses veículos encomendados a receptadores, que funcionam como intermediários nessa rede.
- Três carros médios valem até 200kg de maconha - revela o delegado Rodrigo Zucco.
Depois de roubado, encaminhado a um receptador e clonado, um carro médio é vendido por valores em torno de R$ 3 mil ao traficante interessado em negociar o veículo por drogas.
Entregues os veículos na fronteira com o Paraguai, geralmente outro carro clonado é usado para transportar a droga até a Região Metropolitana.
Como o prejuízo chega a seu bolso
Chega a pesar 50% no preço do seguro de um carro o risco que ele tem de ser roubado. De janeiro a julho, houve um aumento de 11% no seguro dos mais vendidos no país. Em Porto Alegre, nos últimos dois anos a cotação de seguro na Zona Sul registrou um salto. Está na Capital o seguro mais caro dos modelos de carros mais roubados. O seguro de um Honda Civic 2015 chega a R$ 3,9 mil. De acordo com a Federação Nacional de Seguros Gerais, no primeiro semestre o setor movimentou R$ 7,8 bilhões. E, mesmo com a crise econômica, o setor cresceu 6,5%. Até o ano passado, apenas 30% da frota brasileira era segurada.
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Cargas, o "trem pagador"
A histórica relação entre o tráfico e roubo a banco perde espaço no Estado. Seguindo uma tendência já observada pela polícia em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, os ataques que passam a alimentar as finanças dos traficantes são contra cargas - tanto aos depósitos quanto aos caminhões.
Com muitos traficantes conhecedores dos meandros do Porto Seco e com histórico anterior em roubos, a Zona Norte de Porto Alegre, concentra esses crimes.
Uma vez roubado, de acordo com os investigadores, o produto é repassado informalmente por preços abaixo do mercado, mas geralmente com uma roupagem de produto legal.
- O consumidor tem participação direta na alimentação dessa cadeia. Quando compra um celular de origem duvidosa e com preço suspeito, uma carteira de cigarros por preços muito abaixo do encontrado normalmente ou ainda um produto eletrônico anunciado de forma duvidosa, pode estar sendo cúmplice disso - aponta o delegado Juliano Ferreira, da Delegacia de Roubos de Cargas, do Deic.
Como o prejuízo chega a seu bolso
A conta do que movimenta a indústria do tráfico chega não apenas sob a forma de mais insegurança, mas também no bolso. A estimativa de empresas seguradoras é de que os roubos de carga já pesam cerca de 16% no preço de cada produtos. É o custo do que é investido em segurança repassado no preço de cada produto ao consumidor.
Celular é o caixa rápido
Se na ponta de cima do mundo do tráfico os carros passaram a valer ouro, no varejo, são os celulares.
- É um produto de rápida saída. Assim que é roubado, tem logo um receptador que recoloca o celular sem dificuldade na rua, vendendo por preços bem abaixo do mercado - diz o delegado Hilton Müller, da 17ª DP.
A delegacia lida com a meca dos ladrões de celulares, na região do Centro Histórico. Ali, segundo a Brigada Militar, é possível encontrar a cadeia completa desse tipo de crime. A partir das mãos do assaltante, um aparelho avaliado em mais de R$ 1 mil é vendido por
R$ 50. O lucro no repasse desse aparelho chega a R$ 500.
O papel do traficante, de acordo com o delegado, não é central neste esquema. Ele é mais um interessado. De acordo com o Denarc, celulares estão entre os objetos mais encontrados em bocas de fumo. São uma espécie de capital de giro para o gerente do tráfico.
Conforme um levantamento da seguradora Bem Mais Seguro, por hora são roubados pelo menos quatro celulares em Porto Alegre, mas apenas 60% dos casos chegam a ser registrados na polícia. O prejuízo médio às vítimas da Capital, segundo o levantamento, é de R$ 825.
Como o prejuízo chega a seu bolso
Para proteger um iPhone, por exemplo, o custo pode chegar ao mesmo de um seguro para o carro. Chega a R$ 1,5 mil. Conforme um levantamento de empresas seguradoras, em Porto Alegre, o prejuízo médio das vítimas de roubos de celulares é superior a R$ 800.
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Furtos sustentam o vício
Nas bocas de fumo, o crack é a droga mais barata. Mas, em contrapartida, é a de cobrança mais cara. Então, o usuário corre atrás do que conseguir para honrar este preço. O cobre presente no núcleo de cabos telefônicos ou de luz está entre os alvos preferidos.
De acordo com a Delegacia de Crimes contra o Patrimônio, do Deic, são pelo menos dez ocorrências diárias desse tipo de furto na Região Metropolitana. A estimativa é de que, a cada dia, pelo menos 30 mil pessoas sintam o prejuízo pelo serviço que deixa de ser prestado.
O quilo do cobre nos ferro-velhos custa R$ 15. É o dinheiro que o usuário leva para o traficante. O rigor em cobrar os usuários do crack segue uma lógica perversa. A droga é a mais cara para a compra na fronteira com o Paraguai. Lá, o quilo de crack custa R$ 10 mil, contra R$ 100 pelo da maconha.
De acordo com a delegada Sílvia Coccaro, o foco das investigações está nos receptadores já que os usuários furtam para conseguir comprar mais drogas, aparentemente sem uma ação organizada ou comandada por traficantes.
Como o prejuízo chega a seu bolso
Dentro de casa, além dos dias de incômodo com cortes de serviços em virtude dos furtos de cabos, o custo para reposição chega na conta da luz. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Brasil perde anualmente R$ 4,5 bilhões somente em desvios de todo o tipo. As chamadas perdas não técnicas, que incluem os furtos, pesam, ema média, 38% na formação da tarifa da luz.
* Diário Gaúcho