A América Latina tem uma ilha com 3,9 milhões de habitantes, banhada ao norte pelo Oceano Atlântico e ao sul pelo Mar do Caribe, que, em termos econômicos, parece submergir em dívidas. Território dos Estados Unidos encravado na América Central, Porto Rico passou, nos últimos meses, a ser comparado com a Grécia. Ambos se notabilizam pelo mar azul festejado pelos turistas e pelas contas no vermelho.
Luiz Antônio Araujo: é Porto Rico, estúpido
No dia 3, Porto Rico deixou de pagar aos credores parcela de US$ 58 milhões de títulos da sua dívida pública, que vencera no dia 1º, um sábado. A agência de classificação de risco Moodys declarou a ilha em moratória. Foi o ápice de uma crise que se estende há oito anos. A dívida chega a US$ 73 bilhões (104% do PIB), e o crescimento foi negativo em sete dos últimos oito anos. Houve incremento apenas em 2012, de 0,5%.
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A situação é tão grave que se cogitam diversas soluções. Entre elas, duas medidas extremas e opostas: a separação total dos EUA ou a incorporação como 51º Estado. Atualmente, Porto Rico não é um país independente, mas Território Livre Associado dos EUA, o chamado status de Commonwealth. Muita gente o caracteriza como "colônia do século 21". Na prática, essa condição determina que, ao contrário dos 50 Estados americanos, Porto Rico não pode declarar concordata para se proteger dos credores.
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A consultora econômica porto-riquenha Hedie Calero, presidente da consultoria que leva seu nome, imagina que seu país enfrentará problemas sérios em razão do calote, incluindo a limitação ao crédito e o consequente distanciamento da recuperação econômica. Mas vê um quadro adverso até em termos demográficos.
- O maior risco é a diminuição da população. Quem não consegue emprego pode pegar um voo para os EUA e deixar o país, já que são todos cidadãos americanos, com passaporte dos EUA - diz ela.
Os temores de Hedie são corroborados pelos números. Uma onda de emigração já reduziu a população desse território dos EUA em 7%, quase 300 mil pessoas, nos últimos 10 anos - 144 mil pessoas apenas entre 2010 e 2013. O desemprego é de 13% da população ativa, mas os índices poderiam ser piores. Estima-se que só 40% da população em idade ativa trabalha ou busca emprego. Diversos negócios fecharam. Escolas também. A debandada é vista como um êxodo rumo aos EUA. Já se projeta que a população baixe para 3 milhões de pessoas em 2050 - isso equivaleria à diminuição de 25%, e um esvaziamento da ilha. Há deflação anual de -1,2%, o que denota pouco consumo.
Em julho, um pronunciamento de Alejandro García Padilla, governador do território, soou como uma advertência. Padilla definiu a dívida como "impagável". Admitiu que órgãos públicos, incluindo os de setores estratégicos como as companhias de eletricidade, estariam próximos de declarar falência.
- Por todas as facilidades que um porto-riquenho tem para buscar nova vida nos EUA, é até esperada uma debandada. O território não pode terminar, mas, do jeito que está, pode perder boa parte da sua população e ficar à deriva. Talvez a solução fosse mudar o status - diz o economista venezuelano Miguel Ribas.
Medidas de austeridade para sair do buraco
O governo tenta aumentar seu cacife financeiro, para ter margem de manobra. A solução encontrada foi a de adotar medidas de austeridade. Aumentou o imposto sobre as vendas, que está em 11,5%, reduziu as repartições públicas e diminuiu os investimentos, incluindo os da principal universidade pública local. As tarifas de energia elétrica subiram a patamares que são o dobro dos praticados nos EUA. Os economistas calculam que essas medidas tornaram ainda mais premente os planos de porto-riquenhos que querem deixar o território.
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Vindos de um "Estado livre associado", os porto-riquenhos são, desde 1917, cidadãos dos EUA. Vivem situação insólita. Morando no território que em tese é dos EUA, eles não podem votar nas eleições americanas - mas o Congresso dos EUA pode aprovar leis que os afetem. Uma dessas decisões, em 1996, foi a retirada gradual de incentivos fiscais, em 10 anos. Não é coincidência que, nessa década, desde que se consumou a medida, a crise se consolidou.
Mediante o fim da isenção de impostos sobre os lucros para multinacionais americanas que se instalassem lá, mais a criação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e a proliferação de acordos comerciais com outros países, o território perdeu os privilégios que tinha na condição de associado americano. Mas, ao mesmo tempo, permaneceu sem autonomia para definir seu futuro.
Por isso, as duas alternativas: tornar-se um Estado ou um país. O problema é combinar isso com os credores especulativos, que se beneficiam desse limbo.
Nem Estado, nem país...
1 Porto Rico é o que se define como Estado Livre Associado aos EUA desde 25 de julho de 1952. Ou seja, trata-se de um território americano não incorporado. Esse status inusitado o impede de se adequar à lei federal americana de falência que permitiu ao Estado de Detroit, por exemplo, reestruturar sua dívida.
2 Desde 1917, os naturais de Porto Rico são cidadãos americanos. Por não fazerem parte da união, não podem votar para presidente, mas podem votar nas eleições primárias presidenciais dos EUA. Em resumo, Porto Rico pertence aos EUA, mas não forma parte dele nem pode participar das decisões do país.
3 Até meados do século passado, a monocultura açucareira predominava em Porto Rico. Desde os anos 1960, estabeleceram-se na ilha diversas multinacionais de origem americana, das indústrias farmacêutica, eletrônica, têxtil, petroquímica e de biotecnologia.
4 Cerca de 27% da população em Porto Rico é estrangeira. Cubanos e dominicanos são os mais abundantes, seguidos pelos venezuelanos, haitianos, mexicanos, espanhóis, franceses, italianos, chineses, filipinos e alemães.
5 Em 2012, em plebiscito, 54% dos eleitores rejeitaram o atual status. Em outra pergunta, 61,1% defenderam a anexação (querem ser um Estado americano), 33,3% optaram pelo chamado Estado Livre Associado soberano (com mais autonomia) e 5,5% pediram a independência (ser um país).