Um crime que acompanha a história da humanidade, causando perplexidade e repulsa, e deixando marcas profundas _ físicas e psicológicas _ nas vítimas. Assim é o abuso sexual. Constituído por toques ou carícias não consentidas ou pela violência do estupro, o crime atinge crianças, adolescentes, adultos e idosos, vítimas de pessoas em busca de um prazer sexual que, apesar de inaceitável, é mais comum do que você possa imaginar. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que, a cada ano, ocorram cerca de 100 mil casos de abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes. A estimativa é que quatro em cada 10 meninas serão vítimas de abuso sexual até o fim da adolescência em todo o planeta. Neste ano, em Santa Maria já soma 53 casos de abuso sexual. Desses, apenas cinco foram praticados contra mulheres maiores de 18 anos. Todas as outras vitimas eram menores de idade (21 tinham até 14 anos e 27, entre 14 e 17 anos).
_ Os agressores buscam identificar crianças que estejam em situação de maior vulnerabilidade, como o menino, que, inadequadamente, vendia frutas na rua _ exemplifica Jean Von Hohendorft, doutorando em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pela University of Alabama, autor do livro Violência Sexual Contra Menino.
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Conforme a psicóloga Liége Suptitz _ especialista em violência doméstica e em abuso sexual infantil que trabalha no atendimento à crianças e adolescentes vítimas de abuso em Cruz Alta _, os meninos também são vítimas frequentes de violência sexual, mas 73% dos casos denunciados são de vítimas do sexo feminino. Ela explica que o número reduzido de denúncias está ligado ao preconceito. Muitos pais, equivocadamente, acreditam que o crime está ligado a uma possível homossexualidade dos meninos.
O noticiário policial não contempla nem metade dessas ocorrências. Em geral, viram manchetes os crimes terminados em morte _ como no caso das jovens Daniela Ferreira, ocorrido em Agudo, em 2012, e de Júlia Machado, também em 2012, em Santa Maria. Os demais casos ganham menos eco, em parte pelo entendimento de que se deve evitar a exposição de vítimas já fragilizadas. E, por outro lado, porque muitas vítimas (ou mesmo testemunhas) calam frente à situação. Porém, para o delegado regional de Polícia Civil, Sandro Meinerz, as estatísticas recentes deste tipo de violência não significam aumento no número de casos, mas uma redução do silêncio:
_ Esse crime ficava na cifra negra da criminalidade. Era um crime oculto, que não chegava ao nosso conhecimento e aí ficava naquela ideia de impunidade. O que era pior, porque o abusador, muitas vezes, passava a ter o apoio da família.
A declaração do delegado traz à tona um dado arrasador sobre a violência sexual: em 90% dos casos, o crime é cometido por um familiar da vítima _ que, na maioria das vezes, se esforçará para acobertar seus atos. No ano passado, o Ministério Público Estadual em Santa Maria recebeu 158 denúncias de violência contra crianças, sendo que foram 51 estupros. Desses, 29 foram cometidos por familiares.