Na sexta-feira que antecedeu o plebiscito do oxi, elas estavam juntas na frente do parlamento, com pesados livros acomodados nos pés e mal tendo espaço para abrir as mãos para aplaudir as palavras de ordem a favor do não - um dos gritos entoados era algo como "Alexis, você é o cara" (em referência ao primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras).
- Não estava dizendo não para o euro nem para a Europa. Estava dizendo não para propostas que a hegemonia alemã vem impondo sem nenhum resultado - relata Eleni Loukopoulou, 23 anos, formanda em Relações Internacionais na Universidade de Piraeus.
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Com ela, estava a colega Nonna Afouxenidou, 21 anos, que compartilha a visão sobre o futuro no país. Elas integram uma geração indignada com a falta de perspectivas. Voltaram a ter esperança, mas admitem que o sentimento é tênue, do tipo que insiste em resistir apesar de todas as evidências em contrário.
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A Grécia tem uma taxa de desemprego de país subdesenvolvido. Estatísticas fechadas no final do ano passado pelo Eurostat mostram o desemprego dos gregos com menos de 25 anos em 52,4%, pouco abaixo da Espanha, de 53,2%. De 25 a 74 anos, o índice é o mais alto nos 28 países do bloco, 24,8%.
- A coisa está ruim, pior do que ruim - diz Eleni, esclarecendo que, de acordo com as estatísticas, ela está empregada, mas trabalha em meio turno em uma cafeteria para poder se manter em Atenas.
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Na cafeteria, Eleni convive com colegas que trabalham 12 horas por dia para ajudar a sustentar pais há muito tempo sem emprego. Sem fazer drama, conta que começou a trabalhar depois de pensar na hipótese de abandonar o curso e voltar a sua pequena cidade, porque se sentia culpada por ser sustentada durante uma crise tão séria e queria ajudar a família, também em dificuldades. Antes disso, lembra, havia renda suficiente para pagar cursos privados de línguas (além de inglês, estudou francês). Ficou combinado que ela se responsabilizaria pelo próprio sustento, mas não abandonaria a formação que poderia contribuir para um futuro melhor.
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Nonna mora em Atenas com o pai dono de um mercado com vendas em queda e mãe médica no serviço público de saúde, afetada por cortes salariais e ameaçada por novas reduções. Tanto Eleni quanto Nonna dizem que suas famílias nunca foram partidárias do Syriza (coalizão de esquerda que venceu as eleições e fez um acordo com um partido nacionalista de direita para governar a Grécia). Mas estavam fartas das práticas dos governos anteriores. Ambas estão preocupadas com o futuro, mas repetem que não se pode fazer omelete sem quebrar ovos. Ou seja, mantêm a esperança, mesmo que seja apenas um fio. Foi o que permitiu a Teseu encontrar a saída do labirinto depois de vencer o Minotauro. Tem de ser o suficiente.
Especialista em tragédia, artista vê "arrogância alemã"
Há mais de cinco anos morando no Rio de Janeiro, o ator e diretor de teatro Sotiris Karamesinis voltou a Atenas em 16 de junho, como faz todos os anos, para ver a família, e, de quebra, ministrar cursos em que aplica sua própria técnica, desenvolvida ao longo de 22 anos. Ele foi para o Brasil convidado pelo grupo Nós do Morro (base do elenco de Tropa de Elite) para desenvolver um trabalho ligado às clássicas tragédias gregas e acabou ficando. Mora na favela do Vidigal e dá cursos nos morros Pavãozinho e Cantagalo.
Quando a tragédia cruzou a fronteira do palco e se instalou na vida real dos gregos, Sotiris já estava no Brasil. Assistiu à distância o que ele chama de "arrogância alemã".
- Meu avô materno morava em Ítaca (ilha de origem de Ulisses, personagem das narrativas gregas, Ilíada e Odisseia), e morreu limpando bombas deixadas pelos alemães na costa. Com sete anos, minha mãe começou a trabalhar para cuidar dos irmãos menores e trabalha até hoje, com 80 anos. Teve de fechar a loja que tinha, porque as vendas diminuíram, e agora pode ser, outra vez, vítima dos alemães que querem cortar ainda mais as pensões dos gregos - desabafa.
Na Grécia, Sotiris também votou oxi. Manteve o curso planejado, mas em vez dos 15 alunos confirmados, tem seis. A maioria não tinha dinheiro para pagar a taxa. Para alguns, relata o diretor, franqueou as aulas mesmo sem pagamento, porque eram conhecidos e talentosos. Sobre o futuro, vê três roteiros possíveis. O primeiro, seu preferido, é que a Grécia e os líderes europeus alcancem um acordo "realista e equilibrado", que permita a continuidade na zona do euro e qualidade de vida aceitável.
O segundo inclui acordo "forçado" pelos europeus, enquanto a Grécia ganha tempo. Tempo para quê? Para conquistar um aliado entre os europeus, explica Sotiris, mencionando a emergência de forças políticas como o Podemos, na Espanha, e o Sinn Fein, na Irlanda, países que experimentaram medidas de austeridade. O terceiro é o roteiro da tragédia acabada, em que se configura a saída da zona do euro, com o consequente não pagamento da dívida e cenário de caos.
MITOS E VERDADES
O país que deu ao mundo mitos estruturantes da cultura e da psicanálise também tem sido vítima de algumas fabulações. Nos últimos dias, a imprensa tem se esforçado para separar lenda de realidade. Veja algumas das conclusões.
Gregos não gostam de trabalhar
Conforme estatística da OCDE citada por El País, os gregos trabalham em média 671 horas a mais, por ano, do que os alemães. São 2.042 horas para os gregos, quartos colocados no ranking, ante 1.371 horas para os alemães, últimos colocados na lista de 40 países.
Programas sociais são exagerados
Segundo dados levantados pela revista Forbes, desde 2001, ano em que a Grécia aderiu ao euro, até 2007, início da crise financeira global, o país dedicou uma média de 20,6% do PIB a programas sociais, enquanto a Alemanha reservou 26,7%, e a França, 28,7%.
Os gregos têm baixa produtividade
Ainda segundo a revista Forbes, a produtividade do trabalho na Grécia vem aumentando mais do que a dos alemães. A fonte citada é o estudo Por que os Estados Unidos não são a Grécia, de 2012.
A responsabilidade da crise grega é só dos gregos
Revista identificada com o capitalismo ortodoxo, a Forbes também avalia que parte da crise decorre do fato, levantado até por economistas heterodoxos, de que a zona do euro não tem um mecanismo para reequilibrar automaticamente desequilíbrios na balança comercial. Quando um país precisa exportar mais, por exemplo, pode fazer isso desvalorizando a sua moeda, o que torna os produtos mais atrativos no Exterior. Na zona do euro, não existe essa autonomia, porque a moeda é comum para 19 países.