* Zero Hora
Responsável pelo maior investimento privado no Estado, a Celulose Riograndense foi autuada cinco vezes pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) nos últimos 12 meses. A empresa teve de pagar R$ 446 mil em multas por emissões atmosféricas fora do padrão, excesso de ruído, produção de mau cheiro, liberação de enxofre e devido ao vazamento de dióxido de cloro, substância tida como altamente tóxica. Esta última infração provocou a maior multa aplicada em 2015 pelo órgão ambiental, R$ 323 mil.
Ao longo dos últimos dois anos, a Celulose Riograndense investiu R$ 5 bilhões para ampliar sua planta e quadruplicar a produção, o que coincidiu com problemas que vêm trazendo preocupação a alguns ambientalistas e moradores de Guaíba. Uma análise dos relatórios mensais feitos pela própria empresa revela que, desde junho de 2014, não houve mês em que a fábrica tenha operado dentro dos limites de emissões estabelecidos pela legislação ambiental. Houve ultrapassagem em indicadores como demanda química de oxigênio (medida de poluentes na água) e sólidos suspensos (sólidos no efluente tratado), emissão de material articulado (pó nas emissões aéreas), sulfetos (relacionado ao enxofre), cloreto e dióxido de enxofre (gás).
A direção da Celulose e a Secretaria Estadual de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável garantem que as ultrapassagens não implicam perigo. Mas o biólogo Francisco Milanez, conselheiro da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), considera que a Fepam não está sendo rigorosa.
- A empresa tem uma taxa do que pode poluir e contaminar o Guaíba. Quando ultrapassa isso, não é que aumenta o risco, já é certeza de que está causando prejuízo. Com esses eventos que ocorreram, a Fepam poderia ter fechado a fábrica. Não defendemos que faça isso, mas não queremos estar em perigo - diz Milanez, em nome da entidade que há quatro décadas acompanha a planta de celulose. - Se você tem uma fábrica como essa em um lugar sem risco, tudo bem. Mas na beira de uma capital é um passivo de saúde coletiva.
O episódio mais sério ocorreu em 20 de maio, um vazamento de dióxido de cloro(usado no processo de branqueamento do papel) no interior do fábrica. Dez trabalhadores atingidos precisaram ser atendidos em hospitais.
- O resto foi bobagem, mas isso foi grave. Vazar cloro sempre pode ter consequência - diz Ana Pellini, secretária estadual de Ambiente.
Clovis Zimmer, gerente de meio ambiente da Celulose, diz que o dióxido de cloro, na fábrica de Guaíba, é gerado "quase para consumo imediato". Em caso de vazamento, essa geração seria interrompida, evitando riscos. Quanto à localização e à segurança da empresa, afirma:
- A Fepam, desde o momento em que nos deu a licença, resolveu essa questão. Passamos por uma avaliação de impacto ambiental, um estudo que levou cinco anos.
Empresa deve gerar R$ 1,4 bilhão em ICMS
Anunciada em dezembro de 2012, a ampliação da Celulose Riograndense foi uma das melhores notícias que a economia gaúcha recebeu. Durante as obras, foram criados 9 mil postos de trabalho diretos e 21 mil indiretos. O recolhimento de ICMS foi de R$ 102 milhões. Com o início das operações, a projeção é aumentar o número de empregos diretos de 2,8 mil para 4,1 mil. Os indiretos chegariam a 17 mil. O repasse anual aos cofres do Estado seria de R$ 1,4 bilhão. A produção de celulose passará de mil toneladas por ano para 1,8 milhão de toneladas, 90% disso para exportação, movimentando os portos de Rio Grande e Pelotas.
A empresa atribui os problemas ambientais a um período de ajuste da nova planta, em operação desde 3 de maio.
- Quando uma fábrica dessas entra em atividade, existe uma curva de aprendizagem, que dura em torno de seis meses. Os três primeiros são o que chamamos de fase de ajustes. É a fase mais crítica. Mas essas situações tendem a desaparecer - diz o diretor de relações institucionais e com a comunidade, Francisco Bueno.
Durante essa etapa, a empresa mantém equipes de plantão para atender a reclamações de moradores. Uma das medidas tomadas é a construção de um acesso exclusivo a caminhões, com proteções sonoras laterais, para redução do ruído.
A Fepam designou cinco servidores para monitorar os primeiros meses de operação. Segundo a secretária de Ambiente, Ana Pellini, os percalços estão dentro do esperado:
- Nada aconteceu que colocasse em risco a população.
Francisco Bueno acrescenta:
- Essas questões chegam nas redes sociais de forma muito passional. Mas não há risco que possa preocupar. Já estamos dentro do legislado, até porque se não estivermos a Fepam vem e nos multa mesmo. E faz bem.
Vizinhos querem ir embora
O empresário João Francisco Stangherlin investiu mais de R$ 1 milhão na construção de um prédio no Balneário Alegria, em Guaíba. No primeiro pavimento, instalou sua empresa. Nos demais, caprichou em quatro apartamentos, que planejava alugar. Hoje, da ampla sacada de onde antes seria possível apreciar o Guaíba, o que se vê são as imensas caldeiras, torres, metais e nuvens de vapor da Celulose.
Stangherlin não achou inquilinos. Agora, quer vender o edifício e também sua casa, vizinha. Mas quando contatou imobiliárias, vários corretores recusaram-se até a visitar os imóveis.
Reclamando de barulho, sujeira e mau cheiro, moradores colocaram imóveis à venda (Foto: Mateus Bruxel / Agência RBS)
O barulho constante, a fuligem que se espalha e o mau cheiro provocados pela fábrica afugentam moradores. Entre eles, está a comerciária Cristiane Simões, 43 anos. Ela está descontente também com o fechamento do comércio do bairro. A área onde ficava o supermercado foi incorporada à indústria. Loja de roupas, açougue, farmácia, fruteira, pet shop e salão de beleza fecharam - segundo a população, porque a ampliação da Celulose significou a interrupção de uma avenida com ligação ao Centro.
- Ficamos isolados. Se preciso de pão, tenho de pegar o carro e sair do bairro para comprar - afirma Cristiane.
Uma das questões que mais assustam os moradores são hipotéticos danos à saúde. Funcionária de um escritório de contabilidade, Saionara Montemezzo, 45 anos, afirma que há meses tem dificuldade para dormir, por causa do barulho. Como consequência, diz, passou a sofrer de depressão. Foi afastada do trabalho pelo INSS. A dona de casa Iracema Guimarães, 62 anos, relata dor de cabeça constante e um diagnóstico de bronquite alérgica.