Em meio ao barro, à falta de saneamento básico, à umidade e aos escombros de casas destruídas, cerca de 80 famílias sobrevivem na Casa de Passagem da prefeitura de Porto Alegre, no Bairro Navegantes.
Antes de serem transferidos "provisoriamente" pelo Demhab para o local, eles moravam nas vilas do leito da Voluntários da Pátria, da Tio Zeca, da A.J. Renner e da Santo Antônio.
Programados para viverem lá por até 18 meses, enquanto novas moradias seriam feitas pela prefeitura, a maioria está no local há quase nove anos. Mas os imóveis ficaram na promessa. Agora, com novo projeto para a área, a prefeitura pressiona os moradores para assumirem o aluguel social e deixarem o local.
Vânia se sente abandonada - Fotos: Mateus Bruxel
- Como moradora, me sinto abandonada. Acho que esqueceram de nós por este tempo todo - resume Vânia dos Santos Prestes, 30 anos, uma das representantes dos moradores da Casa de Passagem.
Cenário horrível
Basta cruzar uma das entradas do terreno - nas ruas Voluntários da Pátria e Frederico Mentz - para encontrar um mundo diferente daquele prometido pelo antigo Programa Integrado Entrada da Cidade (Piec), que pretendia mudar o cenário de favelização da entrada de Porto Alegre.
Destruído pela própria prefeitura, no início deste ano, o pórtico em escombros resume o que se vê ao longo de cerca de 200m. Uma única via divide duas tripas de casebres de alvenaria de duas peças, com 18 metros quadrados cada.
Promessa de casa nova
Construída em 2004 pela prefeitura para abrigar famílias em processo de transição de áreas irregulares para habitações construídas pelo poder público, a Casa de Passagem abrigou inicialmente moradores atingidos por um incêndio na Vila dos Papeleiros.
Crianças no meio do lixo e esgoto
No início de 2007, o espaço passou a receber famílias de outras áreas da mesma região. Todas tinham a garantia de que seriam contempladas com novas casas em até um ano e meio. Nada se realizou. Então, o que era para ser provisório tornou-se definitivo. Hoje, lama, esgoto e restos de casas destruídas misturam-se a crianças e adultos que seguem aguardando o cumprimento da promessa.
"Foi uma política equivocada"
O atual diretor-geral do Demhab, Everton Luis Gomes Braz, é taxativo no que se refere ao destino de quem ainda espera pela prefeitura na Casa de Passagem:
- Não tenho mais casa de passagem e não tenho mais unidade habitacional para oferecer. Só tenho aluguel social.
Everton afirma que a remoção das famílias não ocorreu até hoje por falta de regularização fundiária de áreas da região.
Com relação à falta de estrutura do local, o diretor-geral reconhece:
- Foi uma política habitacional equivocada. Não é adequada. O equipamento está envelhecido, pois há infiltração e esgoto. A ideia é acabar com aquele lugar em três meses.
Há um projeto pronto para a construção de 11 blocos de cinco andares cada no terreno onde hoje está localizada a Casa de Passagem.
A nova estrutura abrigaria cerca de 300 famílias, inclusive as da Casa de Passagem. O projeto, em fase de aprovações, depende de autorização do governo federal.
Idosa morreu esperando
Ex-morador da Vila Mario Quintana, Tcharles Silva dos Santos, 21 anos, também espera pelo cumprimento da mesma promessa ouvida pela avó, Maria Glaci dos Santos.
Tcharles tranca as janelas para os ratos não entrarem em sua casa
A cozinheira morreu no início deste ano, aos 64, vítima de complicações causadas pelo diabetes, sem ter conquistado a casa própria.
Hoje, Tcharles vive de bicos na construção civil e diz não ter dinheiro para alugar um imóvel. Para evitar a entrada de ratos na moradia úmida e escura, o jovem trancou a janela e a porta dos fundos, que dão direto num valo de esgoto. Mesmo assim, ele só pretende sair dali para algum imóvel oferecido pela prefeitura.
- Minha avó morreu sonhando em ter uma casa melhor. Veio para este buraco e só saiu daqui para o cemitério - comenta Tcharles, que foi criado pela avó.
Pelo menos outros sete moradores dali, transferidos pela prefeitura em 2007, morreram à espera de uma casa definitiva.
Valor do aluguel social não agrada: R$ 450
Para os moradores, o maior problema da oferta atual da prefeitura está nos R$ 450 mensais oferecidos como aluguel social para cada família. Na região, o valor médio de um aluguel de uma casa é de R$ 650 por mês. Mesmo assim, pelo menos 40 famílias da Casa de Passagem aceitaram a oferta e já se mudaram.
O Demhab, que garante que a quantia é suficiente, paga hoje aluguel social para
1,2 mil famílias da Capital, que recebem o valor até serem contempladas com uma moradia definitiva.
Medo de perder o pouco que foi conquistado
Vida de Vânia é no meio dos escombros
Ex-moradora da vila que existia no leito da Rua Voluntários da Pátria, a bartender Vânia dos Santos Prestes, 30 anos, faz parte do desdobramento familiar - filhos que tinham moradias no mesmo terreno dos pais. Na época em que foi retirada de onde se criou, Vânia, o marido e o filho acreditavam que ficariam apenas um ano na passagem. Não ocorreu.
- Permaneci aqui porque a prefeitura garantiu que nos daria outra casa. Não vou sair sem ter a certeza de ganhar o que prometeram - afirma.