Uma fumaça espessa se impôs à expectativa de que a maconha teria sua venda liberada nas farmácias uruguaias ainda no primeiro semestre de 2015. Não foi no final do ano passado, como previsto inicialmente no projeto de 2013. Não ocorreu em março, como se pensava. E agora a previsão é de prazo indeterminado para a implementação da medida.
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Sob a alegação de que o mundo inteiro está olhando para o Uruguai, avaliando se dará certo ou não, a medida mais famosa e polêmica do ex-presidente uruguaio José Mujica está em banho-maria.
Ex-representante do Uruguai na Organização dos Estados Americanos (OEA), o embaixador Milton Romani assumiu o posto de secretário-geral da Junta Nacional de Drogas no novo governo, de Tabaré Vázquez, e já deu a dica:
- Não há pressa. Não quero me prender a prazos que me levem a cometer erros. Os consumidores que querem adquirir Cannabis sativa nas farmácias terão de esperar um pouco mais.
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Antes disso, o próprio Tabaré, médico oncologista de formação, já havia definido o varejo de maconha em farmácias como "absurda". A declaração causou furor. Ocorreu durante a campanha para as eleições presidenciais de 2014. Entrava em conflito com política adotada por Mujica, seu antecessor e correligionário da Frente Ampla.
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Pressionado por uma possível polêmica pré-eleitoral com seus próprios aliados, Tabaré tratou de retificar ainda na época sua declaração. Assegurou que cumpriria a lei aprovada com alarde por seu próprio partido. Mas a contrariedade era indisfarçável.
Os primeiros meses do seu governo mostram cautela nos gestos. Para muitos, trata-se de pura falta de entusiasmo. As declarações de Romani são as de quem fala no assunto sem convicção.
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Quando participou em Viena da 58ª Sessão da Comissão de Entorpecentes das Nações Unidas, em março, Romani ouviu ponderações quanto a possíveis prejuízos à luta contra as drogas. A Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife) manifestou "profunda preocupação" pelos "efeitos negativos que a legislação de fiscalização da Cannabis do Uruguai poderia ter no funcionamento do sistema internacional de fiscalização de drogas".
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A ideia de Mujica, porém, é a de que o Uruguai, com a medida, daria um golpe no narcotráfico, esvaziando o mercado negro a partir da adoção de produção e venda pelo Estado. O raciocínio do ex-presidente é de que todas as políticas de combate a esse crime falharam. Por isso, algo novo deveria ser testado.
A prefeita de Montevidéu, Ana Olivera, que deixará o cargo em julho e assumirá o vice-ministério dedicado ao desenvolvimento social na Junta Nacional de Drogas, diz que não há perspectiva de começo das vendas de maconha no varejo. Ana esteve em Porto Alegre na quarta-feira e se mostrou preocupada:
- Tudo precisa ser muito bem feito. Quando a medida for adotada, o mundo inteiro estará olhando para o Uruguai, e não poderá haver erros. Não há previsão para o começo das vendas.
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O PROJETO E SEUS LIMITES
Quem compra e planta?
Uruguaios e residentes maiores de 18 anos. Em farmácias, deve haver registro. Cultivo para consumo próprio se limitará a seis plantas por residência ou 480 gramas anuais. Cooperativas autorizadas poderão plantar. Serão liberados pesquisa científica e uso médico. Farmácias serão licenciadas pelo Instituto de Regulação e Controle de Cannabis (Irca). Consumo mensal máximo: 40 gramas.
Qual o papel do governo?
O governo controlará a cadeia produtiva da maconha - cultivo, colheita, produção, venda e consumo. Interessados no consumo serão registrados por impressão digital. O método evita que se mostre identidade e tenta não expor o usuário. O Irca, que dará licenças, aplicará multas e suspensões a infratores e destruirá mercadorias irregulares. O governo prevê que um grama da erva será vendido a US$ 1.
Haverá punições e restrições?
Quem plantar, armazenar ou comercializar ilegalmente poderá ser preso, com pena de 20 meses a 10 anos de prisão. As embalagens terão mensagens sobre riscos à saúde. Motoristas farão testes de saliva, como os de teor alcoólico. Assim como os cigarros de tabaco, os de maconha não poderão ser consumidos em lugares fechados. Publicidade não será permitida. Escolas ensinarão sobre prevenção às drogas.