Pelo momento de crise nas finanças, com dificuldades até para pagar salários, seria natural que o secretário da Fazenda do governo José Ivo Sartori obtivesse protagonismo. Mas Giovani Feltes (PMDB), experiente político escolhido para o cargo, mesmo sem conhecimento técnico sobre economia, somou ao contexto algumas características pessoais, como liderança e habilidade discursiva, que acabaram por convertê-lo na mais proeminente figura do Executivo.
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O fato de Feltes, 58 anos, ter assumido a linha de frente do Palácio Piratini também é motivado pelo estilo dos outros integrantes do núcleo do governo: Sartori e os secretários Geral de Governo, Carlos Búrigo, e do Planejamento, Cristiano Tatsch, fazem da discrição uma de suas principais marcas. O chefe da Casa Civil, Márcio Biolchi, é outro que está seguindo a linha de se manter nos bastidores.
Feltes é o responsável por explicar publicamente, seja em caravanas, reuniões ou entrevistas, a dramaticidade das contas do Estado. E, mais do que isso, é dele a tarefa de defender os programas de ajuste fiscal, com cortes orçamentários e de gastos. Nessas ocasiões, torna-se a principal face do Piratini e usa seu afinado discurso para tentar convencer a população, os deputados e os chefes dos demais poderes de que um ajuste financeiro se faz necessário, com a adoção de uma "responsabilidade coletiva".
O então prefeito de Campo Bom desfila com a mulher e os filhos quadrigêmeos
Pai de quadrigêmeos, nascidos em 1991, Feltes foi eleito deputado federal pela primeira vez em outubro passado, com mais de 151 mil votos, o quarto entre todos os candidatos. Estava preparando a mudança para Brasília quando, em novembro, chegou ao Hotel Continental, no centro de Porto Alegre, para participar de uma reunião da transição de governo. Em frente ao elevador, foi surpreendido pelo diálogo puxado por Sartori:
- Giovani, tu vais ser meu secretário da Fazenda.
- Tá louco? Vai ser um micão. Não tenho formação na área, vai ser ruim para nós dois - retrucou.
- Não é convite. É missão - sentenciou o governador eleito em outubro.
Na equipe de transição, havia convicção de que chegara a hora de um político com capacidade retórica assumir o cargo para melhorar a comunicação sobre a necessidade de ajuste fiscal. Um técnico seria inócuo, acreditavam. Ainda levariam alguns dias até o deputado federal eleito dizer sim, o que até hoje surpreende outros políticos. Pelas dificuldades de caixa e o inevitável desgaste, a Fazenda era o cargo do qual todos queriam fugir. A partir da sua confirmação na Fazenda, Feltes se cercou de técnicos experientes: Luiz Antônio Bins (secretário-adjunto), Flávio Pompermayer (diretor da junta financeira), Mario Wunderlich dos Santos (subsecretário da Receita), Leonardo Busatto (subsecretário do Tesouro) e Álvaro Fakredin (contador e auditor-geral).
Passou a estudar finanças públicas e, depois de iniciado o governo, tomou o hábito de imergir por horas na Fazenda. Fica por lá desde o início da manhã até próximo das 22h. Hoje, a convicção e o empenho de Feltes pelo ajuste de contas são tamanhos que ele chega a ser chamado de "Levy do Sartori", uma referência ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que também se converteu em uma das principais figuras do governo Dilma Rousseff, capitaneando um programa de cortes de despesas e aumento de receita no plano federal.
Peemedebista reconhece desgaste gerado pelo cargo
Após se dedicar a conhecer mais a fundo as finanças, Feltes começou a atuar como porta-voz do governo do Estado. Percorreu o Interior nas caravanas em que falava ininterruptamente por mais de uma hora, traduzindo os áridos termos econômicos para um português popular. O secretário da Fazenda tem apenas o Ensino Médio completo. Embora tenha feito todas as cadeiras do curso de Direito, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), não foi diplomado por ter deixado de entregar o trabalho de conclusão. Sua capacidade de oratória, diz, vem das leituras.
Outra característica que carrega desde os tempos de prefeito de Campo Bom é a de agir com rapidez.
- Não tenho problema para tomar decisões, mesmo aquelas que sei que vão me desgastar eleitoralmente. Muita gente em Campo Bom me odeia porque tomo posições. O político acaba pensando muito no voto - afirma.
No governo estadual, o secretário, obedecendo às determinações de Sartori, está tendo de ser mais ponderado. Embora assegure que "mais dois ou três pacotes de medidas" de austeridade chegarão à Assembleia Legislativa até o final de 2015 - podendo incluir mudanças na previdência do funcionalismo e aumento de impostos -, Feltes conseguiu, até agora, autorização de Sartori para enviar apenas um pequeno conjunto de projetos tratando de questões financeiras, nenhum deles capaz de produzir significativo efeito nas contas.
- Existe uma ansiedade que machuca ele. A vontade do Giovani é fazer as coisas acontecerem - comenta Edivilson Brum (PMDB), presidente da Companhia Regional de Mineração (CRM).
Em 1990, Feltes engajado na campanha de José Fogaça ao governo estadual
Feltes admite que gostaria de ter enviado à Assembleia um número maior de proposições para aumentar receitas e cortar despesas. O déficit previsto para este ano é de R$ 5,4 bilhões.
- Tenho uma certa angústia, gostaria que tudo fosse mais rápido. Mas tudo tem o seu tempo de maturação - explica o secretário.
Com a chave do cofre do Tesouro, ele vem dizendo "não" diariamente a secretários que pedem liberação de recursos. Quando algum membro do governo solicita contratações de mais servidores por concurso público, por exemplo, Sartori tem optado pela opinião de Feltes: "Não é o momento".
- Não tenho dificuldade para dizer não. Alguém tem de assumir o papel de contingenciar e fazer valer as orientações do governador - diz Feltes.
Com 1,98m de altura, calçando 47, também é conhecido por Pezão no meio político. Ele não é muito chegado ao apelido: no início, a alcunha era usada de forma pejorativa por opositores de Campo Bom. Ainda assim, pegou. Também houve dissabores. Foi processado em ação popular por ter colocado a escultura de um pé em uma praça de Campo Bom, quando prefeito. Para ele, uma homenagem a um dos berços da indústria calçadista. Para a Justiça, que acatou o argumento dos denunciantes, um ato de promoção pessoal.
Da rotina longa na Fazenda, permeada por reuniões, cálculos e pressões, advém o cansaço. Recentemente, Feltes abandonou um jantar de confraternização de secretários de Estado por estar sem energias para permanecer no local.
- Tenho até acordado pela madrugada sobressaltado. Não consigo disfarçar muito o peso do negócio - relata o secretário.
Adversários e servidores criticam contradições
A rotina ainda é pontuada pelas críticas. Para os partidos de oposição, Feltes encarna o exemplo da contradição. Hoje, na Fazenda, adota condutas que criticou durante o governo Tarso Genro (PT).
- Ele é inteligente, articulado e grande orador, reconhecemos isso. Mas, por outro lado, é o que mais caracteriza a incoerência. Ele sempre bateu no uso dos depósitos judiciais (dinheiro de terceiros depositados em juízo enquanto esperam sentença) para pagar salários, e hoje faz isso. No caso do imposto de fronteira, liderou uma campanha na Assembleia para que fosse extinto. Agora, no governo, segue recolhendo o tributo - cobra Luiz Fernando Mainardi, líder da bancada do PT na Assembleia.
Representantes dos servidores também não o preservam de críticas.
- Ele foi o grande algoz do governo Tarso Genro. É uma saia justa para Feltes dizer hoje aos trabalhadores que a situação do Estado é precária, sendo que há um ano ele fazia discurso de abundância na Assembleia. Ele foi um dos autores da lei que estendeu aos aposentados a Gratificação de Incentivo às Atividades Sociais, Administrativas e Econômicas (Gisae, um complemento salarial criado no governo Tarso somente para os servidores ativos). O governo anterior não pagava. E, agora, o Feltes também não paga a gratificação que ele ajudou a ampliar - protesta Érico Corrêa, presidente do sindicato dos servidores da extinta Caixa Econômica Estadual.
Para tentar escapar da blitz e do constrangimento, Feltes apresenta mais uma de suas frases de impacto.
- Até mesmo a incoerência se justifica. Não podemos dispensar nenhuma iniciativa para reverter o quadro - responde aos adversários.
Trajetória política
Giovani Feltes nasceu no dia 10 de março de 1957, em São Leopoldo. É casado com Irenita, e o casal tem quadrigêmeos: Vinícius, Felipe, Guilherme e Gustavo.
Em 1974, propôs ao então MDB a formação de uma ala jovem da legenda em Campo Bom.
Em 1976, aos 19 anos, foi um dos mais jovens candidatos do país a se eleger vereador. Na época, trabalhava no setor de planejamento da indústria de calçados Strassburger.
Em 1982, foi reeleito vereador com a maior votação da cidade. Ocupou a liderança da bancada do PMDB. Foi prefeito de Campo Bom por três mandatos: 1989-1992, 2001-2004 e 2005-2008. Ao deixar a prefeitura, conseguiu ajudar a eleger um sucessor do mesmo partido.
Em 1994, conquistou cadeira na Assembleia Legislativa. Novos mandatos de deputado estadual foram obtidos em 1998 - quando foi líder da bancada do PMDB por dois anos - e em 2010.
Entre 1996 e 1997, presidiu o diretório estadual do PMDB.
Em 2014, elegeu-se deputado federal. Em janeiro de 2015, assumiu como secretário da Fazenda de Sartori.