Enquanto a sabedoria convencional apressa-se em decretar a morte prematura do processo de mudança política iniciado no começo da década no Oriente Médio, os resultados da eleição na Turquia apontam na direção contrária. Com quase 100% dos votos apurados, o partido do presidente Recep Tayyip Erdogan, vitorioso em todos os pleitos desde 2002, teve a votação desmilinguida em quase nove pontos percentuais.
Na década passada, Erdogan era visto nas capitais ditas ocidentais como um exemplo bem-sucedido de Islã político. Afinal, seu AKP parecia ter posto fim à tendência inata dos militares turcos ao liberticídio (quatro golpes de Estado entre 1960 e 1997), tinha como principal objetivo de política externa o ingresso na União Europeia e mantinha boas relações com os aliados americanos na região, especialmente Egito e Israel.
Com o estalar da crise econômica global em 2008, seguida da dita Primavera Árabe em 2011, a agenda de Erdogan voltou-se para o combustível fóssil mais barato do mundo: a demagogia religiosa.
Entre outras ideias, seu governo propôs reislamizar antigas catedrais bizantinas há muito convertidas em museus (nem mesmo a portentosa Haya Sofia, ou Mesquita Azul, ficou de fora do plano) e derrubar a proibição do véu em escolas e repartições públicas. Isso não impediu explosões de descontentamento, como a da Praça Taksim, em Istambul, no annus terribilis de 2013. As liberdades, porém, fizeram poucos progressos.
- Não somos muito democráticos - ouvi de um especialista formado nos EUA ao visitar uma grande universidade turca no ano passado.
Aparentemente, os eleitores turcos utilizaram o pleito de doingo para dar um recado a Erdogan. A ausência de reação oficial ante o coice das urnas mostra que o efeito foi doloroso.
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