Em um julgamento, cujo resultado foi o esperado por familiares, Corpo de Bombeiros e Polícia Civil, a surpresa ficou por conta da atuação do Ministério Público. No segundo dia do primeiro julgamento referente ao incêndio na boate Kiss, os acusadores, em um ato surpreendente, pediram a absolvição de cinco dos oito réus.
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Os soldados Marcos Vinícius Lopes Bastide, Gilson Martins Dias e Vagner Guimarães Coelho, o sargento Renan Severo Berleze e o primeiro tenente Sérgio Roberto Oliveira de Andrades, denunciados por negligência nas inspeções feitas na casa noturna (em 2009 e 2011), foram considerados inocentes pelos cinco juízes. Um dos oficiais, o tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano, também foi absolvido.
Confira como foi o priemiro dia do julgamento dos bombeiros
O ex-comandante do 4º Comando Regional de Bombeiros (4º CRB), tenente-coronel da reserva Moisés da Silva Fuchs e o capitão Alex da Rocha Camillo foram condenados por falsidade ideológica na emissão do segundo alvará da boate. Fuchs ainda foi condenado por prevaricação.
Confira como foi o segundo dia do julgamento dos bombeiros
O pedido de absolvição dos acusados por negligência desagradou familiares que deixaram o plenário. Maria Aparecida Neves, que perdeu o filho Augusto Cezar Neves, 19 anos, na tragédia, saiu da sala aos prantos. Ela foi levada para uma sala reservada para se acalmar.
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O promotor Joel Dutra explicou o pedido, em entrevista coletiva, após o julgamento:
- Quando acusamos os policiais militares vistoriantes, havia indícios de que haviam negligenciado a questão da central de gás. Mas, com a instrução, veio a informação, por parte do Corpo de Bombeiros, de que até três botijões de 13 quilos eram permitidos em casas de atendimento ao público. Essa informação retira qualquer responsabilidade dos bombeiros que fiscalizam. Não havia como sustentar a acusação.
Apesar disso, de forma geral, os familiares das vítimas da tragédia se solidarizaram com os bombeiros inspecionantes que foram absolvidos (leia mais no texto ao lado).
Após os votos dos juízes, o Ministério Público (MP) disse que vai recorrer da absolvição de Fuchs e de Adriano, quanto à falsidade ideológica na emissão do primeiro alvará da Kiss em 2009, e quanto às penas atribuídas a Fuchs e a Camillo por entender que foram baixas.
A defesa de Fuchs e Camillo também disse que vai recorrer da condenação.
A sentença será publicada em 22 de junho. Depois, serão juntadas as alegações da Promotoria e da defesa, e o material será enviado ao Tribunal de Justiça Militar, que julgará os recursos.
A reviravolta
A tensão começou na metade da manhã, quando ocorreu uma reviravolta no julgamento. Ao fazer as considerações finais, o promotor Joel Dutra, pediu a absolvição dos cinco réus que estavam sendo julgados nesta quarta-feira: os soldados Gilson Martins Dias, Vagner Guimarães Coelho, Marcos Vinícius Lopes Bastide, o sargento Renan Severo Berleze e o primeiro tenente da reserva Sérgio Roberto Oliveira de Andrades.
- No mínimo, eles foram induzidos ao erro, o que tira qualquer espécie de negligência. Por isso, o Ministério Público pede a absolvição dos cinco réus - afirmou Dutra.
A reação de parentes das vítimas presentes no recinto foi imediata: revoltados, deixaram a sala. Do lado de fora, pais e mães protestavam, alguns chorando.
- O que eles estão pensando? Só por que têm estrelinhas acham que são mais que alguém? - dizia aos prantos Maria Aparecida Neves, que perdeu o filho, Augusto Cezar, na Kiss.
A mudança de posicionamento do MP foi o motivo que originou a revolta. Na época da denúncia do caso à Justiça, o próprio Ministério Público havia pedido a condenação dos soldados por entender que eles tinham transgredido a lei porque deixaram de exigir uma central de gás para Kiss. E por isso, eles foram acusados. A exigência de uma central de gás está prevista no artigo 19 do decreto 37.380: "Nos locais de reunião de público, bem como nos casos previstos na NBR 13.523 da ABNT, deverá existir uma central de GLP."
No julgamento de hoje, o promotor Joel Dutra afirmou que a norma da ABNT diz que a exigência de central de gás depende da quantidade de gás no local, e não de público. Foi por isso, segundo a defesa e também o MP, que os bombeiros não exigiram a central de gás para a Kiss (lá tinha apenas um botijão comum). A partir dessa ótica, os bombeiros teriam agido, então, conforme a norma. E portanto não houve negligência, segundo MP e defesa.
Em meio ao seu pronunciamento, o promotor Joel disse que terá "um preço a pagar", referindo-se ao fato de saber que será criticado.
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