Quem caminha pelas ruas da pacata Itaara não imagina, mas em uma delas, há algo grande acontecendo. Essa é a sensação de quem cruza o verde das cercas vivas e adentra a casa de tijolos à vista, onde o incansável artista plástico João Luiz Roth se refugia. Aos 63 anos, Tite, como também é conhecido, passa por um difícil processo de reconstrução.
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Tite sempre levou uma vida agitada. Graduado em Desenho e Plástica pela UFSM e com pós-graduação na Escuela Superior de Bellas Artes de San Fernando, na Espanha, também é doutor em Letras pela PUC-RS. Atuando como profissional desde 1971, participou de dezenas de exposições mostrando suas criações em salões de arte de países como Estados Unidos, Grécia e França. Ao longo da carreira, recebeu inúmeros prêmios e distinções, além de encarar as secretarias municipais de Cultura e de Educação.
Há cerca de dois anos, passou por uma mudança drástica em sua rotina. Após sofrer um aneurisma, ficou 11 dias na UTI. Com o lado esquerdo do corpo paralisado, Tite precisou de dedicação e muitas sessões de fisioterapia e de fonoaudiologia para reaprender coisa básicas como falar. Nesse período, no qual não tinha ânimo para nada, surgiu também o apoio irrestrito dos amigos e, principalmente, da família.
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_ Não sabia que tinha tantos amigos. É algo extremamente positivo. Todos sempre tiveram muita generosidade comigo no sentido de estimular e dar força _ conta.
Repentinamente jogado em um "vácuo", acabou enchendo o saco desse "período de grande vazio". Sem poder trabalhar, resolveu retomar seu verdadeiro ofício: as artes.
Apoiado em uma bengala, desce cotidianamente o lance de escadas que o leva ao seu ateliê particular. Na sala simples, onde pinceis são vistos por todos os lados, vem reaprendo a se perder no silêncio e, traço após traço, exercita seu olhar detalhista.
_ São caminhadas com grandes desafios. Embora tenha sido do lado esquerdo, afetou o direito (ele é destro). É um exercício de superação. É lógico que o resultado está muito aquém. Mas a gente vem insistindo e fazendo. Vou devagarinho, sem muita pretensão _ conta, emocionado.
Ao que parece, o desânimo foi definitivamente deixado para trás. Rodeado de quadros e de uma coleção de chapéus, Tite revela estar cheio de planos. Por insistência dos amigos, retomou um antigo projeto de publicar seus desenhos no Facebook. A ideia de montar uma exposição, segundo ele, "está sempre na cabeça". Na terça-feira, uma aluna da UFSM _ onde lecionou por mais de 30 anos _ começaria a ajudá-lo a catalogar cerca de 300 obras, que vão dos retratos aos "desenhos e experiências". Também iniciou um estudo sobre Teogonia, poema grego que conta a gênese do universo e o nascimento dos deuses primitivos.
_ É uma história cheia de arabescos que estou estudando para entender como posso representá-la _ adianta Tite.
Quando levou a série Reprise a Porto Alegre, em 1979, Tite não apresentou comentários críticos ou mesmo dados sobre seu currículo. O motivo: acreditava que era chegada a hora de a obra falar por si mesma. Passados mais de 35 anos da exposição, na qual mostrava sua convicção de que apenas a natureza se perpetua, a história parece se repetir. Afinal, por mais enferrujado que acredite estar, sua minuciosa construção de traços em bico de pena e aquarela, que forma uma detalhada trama de tons que passeiam entre o branco e o preto com maestria, segue discursando em causa própria.
_ Não mudei a forma de desenhar porque é o que sei fazer. É lógico que agora sinto como se estivesse na prorrogação. Então, tudo para mim tem um sabor muito grande. Sempre cabe um traço a mais _ conclui o artista incansável.