Um dos pensadores mais influentes do mundo, Manuell Castells esteve em Florianópolis esta semana para ministrar uma aula magna em comemoração ao aniversário de 50 anos da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). As obras do sociólogo espanhol são referência na discussão das transformações sociais provocadas pelas novas tecnologias no fim do século 20 e no início do século 21. Castells concedeu uma entrevista na sede do Grupo RBS em Santa Catarina. Confira o que ele disse sobre movimentos sociais, sistema político brasileiro e corrupção.
Você acredita que a internet e as redes sociais foram determinantes para que ocorressem as manifestações realizadas no Brasil em 2013, 2014 e, mais recentemente, em abril deste ano? Esses movimentos se encaixam dentro de um modelo de convocar protestos em todo o mundo?
Os movimentos sociais são o motor que muda o mundo. São pessoas que, de fora das instituições, protestam contra o que elas identificam como injustiça, desigualdade, falta de democracia, falta de respeito a sua dignidade - que é uma palavra-chave em todos os movimentos sociais. Estamos há mais de 10 anos em uma onda, cada vez maior, de protestos e movimentos sociais que se intensificaram no mundo. O Brasil teve três grandes manifestações em três anos, e cada uma diferente da outra. Todas são espontâneas, não são organizadas nem por partidos, nem por sindicatos, nem por instituições.
Em 2013, foi um movimento de setores jovens e populares em sua maioria, cuja causa inicial era o transporte público, e depois se ampliou para todas as grandes demandas sociais. O movimento era contrário à classe política, à corrupção e pedia reforma dos serviços sociais e das instituições. Eles receberam certa legitimidade da própria presidente Dilma Rousseff que, em julho de 2013, falou em reconhecer a voz das ruas e idealizar um projeto de reforma constitucional. Líderes importantes como Marina Silva também reconheceram o movimento.
Em 2014 foi diferente, foi uma mescla de uma ala mais radical que tentou boicotar a Copa do Mundo e não teve muito apoio na população brasileira e a utilização desse movimento por parte de grupos de extrema-direita que tentaram, a partir disso, fazer uma crítica frontal ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao governo de esquerda.
Em 2015 é claramente outro movimento, de classe urbana média e média alta. Nas manifestações de São Paulo a maioria das pessoas ganhava mais de cinco salários mínimos e 20% ganhava mais de dez salários mínimos. São mais velhos, entre 25 e 44 anos, são contrários à corrupção de todos os partidos, mas centram a crítica no governo de Dilma Rousseff e no PT e tentam deslegitimar o governo por reações contra políticas de redistribuição social, pedindo o mercado como única forma. Um movimento neo-liberal.
E quais as características comuns aos três movimentos?
São três movimentos distintos. O importante é que, qualquer que seja a ideologia e os grupos sociais de cada movimento, todos utilizam a mobilização através da internet e celulares, todos se auto-organizam e desenvolvem o protesto de forma extra-institucional. As instituições não representam os cidadãos e os cidadãos, de todas as ideologias, estão buscando novas formas de se expressar e de gerar outro tipo de democracia.
Uma das causas dos protestos foi o escândalo de corrupção na Petrobras. Nesse caso, qual o papel da comunicação, tanto por parte do governo como dos meios de comunicação?
A comunicação é essencial, porque é através do sistema de comunicação e seu conjunto que os cidadãos recebem informação. O problema é que a comunicação faz parte do sistema político e, por consequência, grupos de comunicação têm suas próprias políticas e ideologias, que não são totalmente manipuladoras, porque existe algo muito importante chamado "jornalistas", que têm uma capacidade profissional e que tentam mantê-la na maneira de informar, mas não é sempre que podem, porque estão submetidos às regras dos grupos de comunicação.
Por isso eu acredito que os movimentos e as pessoas que tentam mudar a sociedade devem apoiar os jornalistas profissionais. Portanto, não há um enfrentamento entre o cidadão-jornalista e o jornalista-cidadão, eles precisam uns dos outros. As pessoas, os usuários da internet, precisam ajudar a preservar a liberdade do profissional nos meios. E os profissionais nos meios só podem se salvar se há uma pressão social e uma capacidade de internet de difundir os abusos a que os jornalistas podem ser submetidos. Portanto há uma aliança objetiva para preservar a verdade e a comunicação.
O que observo no Brasil é que há, neste momento, uma sociedade muito conflituosa, politizada, com grandes pressões de grupos de interesses em que a informação de verdade, com que as pessoas podem formar opinião, é às vezes é muito manipulada. No entanto, a partir dos meios de comunicação se disseminou a informação sobre o escândalo da Petrobras. Isso é muito positivo, mesmo que se faça com intenções de manipular.
A corrupção é sistêmica e só pode ser eliminada com um acordo fundamental de toda a classe política, de todos os partidos políticos. Juntos devem, não só fazer legislação contra a corrupção, mas sim, aplicá-la, começando por eles mesmos, começando pela expulsão dos partidos daqueles que são diretamente corruptos.
No entanto sabemos que em 2014 um deputado de Manaus que, da prisão, já condenado por corrupção, pediu que mantivessem seu salário de deputado, e o congresso de deputados o apoiou. Como querem que os cidadãos brasileiros possam respeitar essa classe política? Mas não é o mesmo que não respeitar a democracia. Querem democracia, mas não esta democracia porque não é democrática.
Os brasileiros elegeram uma câmara de deputados bastante conservadora. Isso não parece contraditório em relação às recentes manifestações que pediam renovação política e avanços sociais?
Sim, isso é um tema fundamental. Isso não ocorreu na Espanha, por exemplo, nem na Grécia, mas ocorreu na Turquia, onde houve um movimento social muito forte e a reeleição de um presidente conservador e religioso fundamentalista. O que acontece é que as pessoas que pensam que esse sistema político não as representa votam na oposição ao governo existente. O voto contra é tão mais forte quanto maior é a crítica demagógica das pessoas de extrema-direita.
Temos o caso de alguns senadores que eles mesmos são os mais corruptos, mas que participam de movimentos nas ruas contra a corrupção. As pessoas apoiam os demagogos que, na televisão e em outros meios, são mais radicais em sua denúncia contra um sistema de que eles mesmos são parte.
Essa contradição aparente se resume assim: as pessoas estão contra todo o sistema e votam contra aqueles que estão no poder porque é a maneira mais concreta de tentar uma alternância. Se o governo é de centro-esquerda, vamos ver o que um governo de direita pode fazer de diferente.
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