No lugar do ventre, é no coração que começa a ser gestada a mudança na vida de mulheres que escolhem viver a maternidade por meio da adoção. A notícia da habilitação para a adoção é como a confirmação da gravidez: é o sim para a vocação de amar e proteger um ser indefeso.
Já o pré-natal pode superar os nove meses de uma gravidez biológica e demanda preparação tão intensa como a de quem percebe o corpo modificar-se a cada dia. Não há enjoos nem ecografias, mas sim muita conversa e troca de experiências, tudo para preparar o coração da mãe e o lar do filho que está por chegar.
- O momento da entrega de uma criança (adotiva) à família equivale ao momento do parto (de uma mãe biológica) - compara o juiz Luis Antônio Johnson, titular da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Lajeado.
Mesmo sem um bebê nos braços, a vontade de estabelecer vínculos e de completar a família supera as incertezas que cercam a caminhada da adoção.
Neste Dia das Mães, o Diário Gaúcho destaca as histórias de três mulheres que convivem com a expectativa pela chegada das crianças que vão confirmar a decisão tomada por elas - a de serem mães.
Apoio para superar a angústia
De acordo com o juiz Luis Antônio Johnson, os grupos de apoio à adoção ajudam a superar a angústia dos futuros pais pela espera, mas também preparam os habilitados para a chegada do filho adotivo e desconstroem mitos como o da negação em adotar crianças mais velhas.
O juiz destaca que, no país, há cerca de 30 mil pretendentes à adoção e 5 mil crianças e adolescentes por serem adotados.
A questão do perfil que os habilitados procuram é o principal entrave para que a adoção ocorra, principalmente a de crianças mais velhas ou especiais.
- A adoção é muito séria, tem que ser tratada com muito cuidado porque são seres humanos, que têm expectativas - afirma Luis Antônio.
Desejo que está prestes a ser realizado
O despertar para a maternidade surgiu na vida da empresária Kátia Formagio, da Capital, aos 38 anos. Ela começou a pesquisar sobre fertilização, chegou a
submeter-se a quatro inseminações, e, só depois de exames mais apurados, foi diagnosticada com menopausa precoce.
Como a adoção era uma experiência vivenciada em família - Kátia tem um irmão adotivo -, a intenção de adotar uma criança tornou-se mais forte. Pelo fato de ser solteira, ela conta que o processo de habilitação não foi fácil.
- Mas eu consegui superar, queria ser mãe. A sensação de felicidade foi muito grande, a gente sabe que (a adoção) está mais próxima - conta.
Boas-vindas
Desde março do ano passado, a empresária de 43 anos está apta a receber uma criança com idade de até três anos. Por conta do perfil, sabe que a espera poderá ser de três a cinco anos.
- Agora é esperar e acreditar nos planos de Deus. O desejo de ser mãe existe, mas só vou ser mãe quando realmente tiver meu filho. A cumplicidade e a troca de afeto vão aflorar com o contato olho no olho. Quero vivenciar isso - afirma.
No lugar do tradicional chá de fraldas, Kátia pretende fazer um chá de boas-vindas para acolher o filho ou filha. Para driblar a ansiedade, ela ouve as experiências de pais que já adotaram e de outros candidatos no grupo de apoio do Instituto Amigos de Lucas.
- Eu tenho amadurecido como será minha rotina, minha casa se tornará um lar. Não terei a mudança física, mas a emocional, psicológica, social. Talvez, meu filho nem tenha sido gerado ainda - pondera.
Pedido em dobro
A decisão pela adoção começou a ser amadurecida há quatro anos, quando um problema de saúde descartou a possibilidade de uma gestação biológica para Marlise.
- Como a nossa ideia não era ter apenas um filho, decidimos partir para a adoção de duas meninas - explica Marlise.
Enquanto elas não chegam, a futura mãe até já preparou uma caixa cor-de-rosa, com bonecas, livros e jogos:
- Eu imagino que, quando elas vierem, eu vou preparar o café e levá-las para a escola. No fim do dia, a dedicação será exclusiva.
Números desproporcionais
- Há um grande número de interessados e, por outro lado, crianças esperando por uma família.
- Isso ocorre porque a maioria dos interessados quer crianças de pouca idade e saudáveis.
- No Estado, há 5.086 pessoas habilitadas para adoção.
- Ao mesmo tempo, há 744 crianças e adolescentes cadastrados para adoção no Estado, vivendo em abrigos.
- A maioria (642) tem mais de dez anos.
- Os 102 restantes pertencem a grupos de irmãos e/ou têm problemas de saúde grave.
Fontes: Cadastro Nacional de Adoção e Conselho Nacional de Justiça
A preparação para a maternidade
De acordo com a professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Unisinos, doutora Silvia Pereira da Cruz Benetti, quando a mulher gesta um filho, ela tem expectativas e sonhos em relação à criança, e depois depara com o filho real.
A diferença da mãe adotiva é que esta receberá uma criança cuja história pode ser desconhecida - e isso exigirá o acompanhamento, por exemplo, em grupos de apoio.
As duas mães, no entanto, precisam viver o momento da adaptação, passar pelo processo de conhecimento, que envolve mãe e filho, e estabelecer a relação afetiva.
- O fato de não ter gerado a criança não coloca esta mulher na condição de menos mãe que a outra (biológica) - opina.
A professora destaca que, apesar de não ter a experiência de ver a barriga crescer, o período de espera pela adoção pode ser aproveitado para a busca de informações com outros pais adotivos e para a conversa entre o casal sobre as mudanças na família. Vale até mesmo para a preparação e o planejamento do espaço onde o filho adotivo será acolhido.
Cláudia encara a expectativa pelo filho com esperança e alegria
Foto: MATEUS BRUXEL
"Bem grávida", com desejos e pronta para a fuzarca
- Eu me sinto bem grávida, a ponto de parir!
Com a frase, a artesã Cláudia Teresinha Machado, 46 anos, da Morada do Vale I, em Gravataí, resume o sentimento que vive desde que ela e o esposo, o comerciário Fernando Bender da Costa, 47 anos, decidiram habilitar-se para a adoção.
Há dez anos, o casal começou a tentar ter um filho biológico, mas Cláudia descobriu que não poderia.
Enquanto aguarda a chegada de uma criança com idade até cinco anos - a habilitação foi homologada em setembro do ano passado -, Cláudia vem se preparando para a maternidade.
Brinca que, às vezes, tem vontade de comer algo diferente (algo recorrente entre as gestantes) e tem até a intuição de que será mãe de um menino.
- Imagino que será um menino porque tenho afinidade com guris, eles me procuram mais. Só não terei as ecografias - diverte-se Cláudia, que tem 12 afilhados.
Álbum de família
A serenidade, as leituras sobre o assunto e a participação no grupo de apoio têm servido para amenizar o peso da espera e garantir a maturidade necessária.
- O amor supera tudo. Também estou preparando o álbum da família e dos amigos para apresentar ao nosso filho. E fazendo algumas anotações para contar a história do começo da nossa "gravidez". Acho que isso vai facilitar a aproximação, para que se sinta acolhido - explica.
Acostumada a fazer decorações de quartos de bebês por conta da profissão de artesã, Cláudia já pensa no momento no qual transformará o quarto de hóspedes no quarto do filho.
Mesmo antes da chegada, a criança já tem uma dinda, Vânia, irmã de Cláudia, e já começou a ganhar os primeiros mimos.
- Já imagino meu filho correndo no pátio, vai ser uma festa! Meu marido está bem preparado também, adora fazer fuzarca, folia com a criançada. Vai vir a criança certa, na hora certa - conclui.
Marlise já separa mimos para as filhas
Foto: LUIZ VAZ
Espera pelo mundo cor-de-rosa
A carta de homologação que confirmou que o casal Marlise Silva dos Santos, 39 anos, e Ademir José Kotz, 30 anos, do Bairro Passo D'Areia, na Capital, passou a fazer parte da lista de espera pela adoção chegou seis meses depois do início do processo.
O período de espera se estende por bem mais do que os nove meses de uma gestação - em agosto, completa três anos. O casal quer adotar duas meninas, com idades entre dois e seis anos.
A opção fez com que eles se mudassem para um apartamento maior, e até mesmo aproximou o casal das crianças da família.
- Já estamos fazendo testes com nossos sobrinhos - conta a analista de teste de software.
Para quem quer adotar
- A habilitação dever ser feita no Juizado da Infância e Juventude da sua cidade ou comarca, com a entrega de documentação e o preenchimento do requerimento e da ficha de cadastramento.
- É dispensada a assistência de advogado.
- Após uma fase de entrevistas, análise e aprovação, o interessado passa a fazer parte da lista de espera por adoção.
- A demora vai depender do perfil da criança desejada. Se for um bebê, a espera pode ser de anos. Por outro lado, quem optar por crianças mais velhas pode ter o processo bastante abreviado.
Quem pode
- Pessoas maiores de 18 anos, independente de sexo e orientação sexual (podem ser casados, união estável, solteiros, casais homoafetivos), que tenham 16 anos mais do que a criança a ser adotada.
- Não há renda mínima estabelecida para quem pretende adotar. No início do processo, é realizado um estudo das condições psicológicas e dos aspectos sociais, para que seja identificado se os candidatos possuem boa saúde mental e um ambiente de acolhimento familiar próximo do ideal.
Saiba mais
- Mais informações sobre adoção pelo e-mail cijrs@tj.rs.gov.br, Coordenadoria da Infância e Juventude ou no Foro de sua Comarca.
- O Instituto Amigos de Lucas é uma entidade que oferece apoio a interessados na adoção, com orientações e palestras.
- Mais informações: presidencia@amigosdelucas.org.br e www.amigosdelucas.org.br ou pelo facebook.com/amigosdelucas.