Em cidades do Interior, há apenas um brigadiano de serviço por turno - o que contraria padrões de segurança operacional, preocupa os próprios policiais e gera insegurança em comunidades inteiras.
Em entrevista a Zero Hora, o subcomandante da Brigada Militar, coronel Paulo Stocker, comentou a escassez de efetivo que está sujeitando um número crescente de policiais militares a trabalharem sozinhos no Rio Grande do Sul. Confira:
Ter apenas um policial por turno em muitos municípios gaúchos é um problema?
Muitos municípios, geralmente com pouco efetivo, ficam próximos de uma cidade com 25 mil, 30 mil, até 50 mil habitantes. Nessas cidades, com 2 mil, 2,1 mil,
2,3 mil habitantes, geralmente é um posto policial que atende o 190, a demanda de emergência, dá apoio, faz alguns registros de termo circunstanciado por alguma briga ou desordem de vizinhos. Quando há ocorrência de intervenção policial, aciona alguma cidade próxima na qual há efetivo. Geralmente são cidades próximas, a 10, 12, 15 quilômetros.
É padrão da BM contar sempre com supremacia de força em abordagens? Isso não fica inviabilizado com um PM de serviço?
Toda nossa atividade policial é feita em dupla. Geralmente, a primeira abordagem é feita pelo patrulheiro, ele está portando arma, com superioridade de ação em relação a um grupo de três, quatro, cinco, seis pessoas, desde que não estejam já com histórico de ocorrência. Temos de ter superioridade de força em casos como um assalto com carro em fuga com cinco homens armados. Aí se reúne um grupo maior de outras cidades para a abordagem. Só que isso não ocorre em cidades pequenas. Nos casos de ataque a banco em que uma quadrilha fecha uma cidade, tem oito homens armados, avisamos a comunidade em volta e montamos barreiras em cada ponto estratégico.
Para os casos de abordagem que deveria ser feita com dois policiais, constatamos que há muitas cidades em que realmente há só um policial trabalhando.
Estou falando em rotina normal de cidades pequenas de 2 mil, 3 mil habitantes. É diferente de botar esse brigadiano no meio da Bom Jesus, no meio da Cruzeiro do Sul (vilas de Porto Alegre). Estamos falando de mundos totalmente diferentes.
Para a BM é suficiente ter só um PM por turno de serviço em cidades menores?
Sim. Estamos atendendo tranquilamente a demanda.
Postos fecham de dia e principalmente à noite
Mesmo em municípios um pouco maiores, como Ibiaçá, com 5 mil habitantes, em que não havia nenhum policial de serviço quando a reportagem de ZH passou por lá?
Aí todo mundo sabe que o Duarte (nome fictício de um brigadiano usado como exemplo) mora naquela casa: "Ô Duarte, estou com um barulho lá, o vizinho está reclamando". Às vezes, sabem até o telefone do Duarte. Coloca ali no posto: qualquer emergência, telefone tal. E aí ligam: "Pô, Duarte, estou com um problema lá em casa". Ele sai e vai lá. É assim que funciona no Interior.
Não é uma situação complicada pelo fato de o policial estar de folga?
Policial é 24 horas por dia. Tu tens de ver a atividade policial de uma região metropolitana e de uma região do interior. São universos diferentes. A técnica policial é igual, porém, o clima é totalmente diferente. O policial de área metropolitana tinha de ter 10 olhos para ter visão 360 graus. O cara do Interior olha e já sabe quem é quem naquele universo todo. Se há qualquer pessoa estranha, já veem que há algo errado. Sabem se há movimento estranho na casa do João ou na fazenda do José. É diferente de Porto Alegre, onde tu não sabes quem é quem. E são diferentes as ocorrências do Interior e da Capital. No Interior, raras vezes se vai para uma ocorrência sem saber com quem vai tratar. E, se desconfia, aciona a BM mais próxima.
Mas os prefeitos e as comunidades não sentem essa tranquilidade e pedem reforço.
Não tenha dúvida disso. A comunidade, o comércio, o prefeito. Tu não querias ter um brigadiano na esquina da tua rua?
Essas comunidades pedem o que consideram um mínimo.
O prefeito que consegue casas, que traz um brigadiano de fora. O que significa para o prefeito isso? Para os vereadores?
É só questão política?
Às vezes chega um pedido e a cidade já está com 100% do efetivo. "Bá, mas seria muito bom." Quem não quer ter um brigadiano na frente da sua loja? Mas aí pergunto quando foi o último assalto. "Ah, foi quando nasceu o Chiquinho". Quando nasceu o Chiquinho? Há 42 anos. O medo existe porque leem jornal de Santa Maria, de Passo Fundo, de Porto Alegre, onde a criminalidade está acontecendo.
Vemos seguidamente ataques com armas pesadas no Interior.
Isso ocorre exatamente porque há um número menor de brigadianos. Porém, quando começou o problema, mudamos a nossa forma de atuação. Não se faz ataque, se monta um cerco. Não tem hoje, no Interior, pessoas que conheçam melhor a malha rodoviária dos que os brigadianos. Montam barreiras com três, quatro viaturas, e pegam (os assaltantes).
Não é sempre que se pega...
Não, não, mas tem dado resultado muito forte.
Postos ficam fechados à noite. Também é aceitável?
Isso é comum. Mantemos 100% dos municípios com brigadiano mais por questão de vaidade. Não por necessidade. Eu, falando como gestor, não como subcomandante, não botaria hoje efetivo em muitas cidades do Interior. Talvez centenas de cidades do Interior não teriam brigadiano. O índice de criminalidade, a qualidade de vida em matéria de segurança, não requer policiamento imediato ali.
Isso não atrairia a criminalidade e acabaria essa qualidade?
É mais ou menos com essa ideia que tentamos manter 100% das cidades com policiamento. É mais psicológico do que efetivo, mas funciona. Tanto é que continuam seguras.
Há possibilidade de esse remanejamento ser estudado?
Não está na pauta, estou colocando um ponto de vista bem pessoal.