Quem costumava frequentar a loja da Panvel no Parcão, em Porto Alegre, nos verões de duas décadas atrás, pode ter sido atendido pelo provável futuro presidente da empresa. Julio Mottin Neto, 42 anos, é o potencial ungido no processo de sucessão que se encaminha para o final, com definição até dezembro. O executivo não confirma, mas todo o cerimonial está preparado para subir mais um degrau na trajetória que começou com dezembros de atenção aos clientes.
- Eu nasci com o umbigo atrás do balcão - brinca o integrante da terceira geração da empresa controlada por três famílias e com 326 lojas espalhadas pela Região Sul.
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Com o desembarque da Panvel previsto para 2016 em São Paulo, ainda uma espécie de teste, Julio explica que o desafio é se tornar grande sem perder "a alma de empresa pequena". O fato de a chegada coincidir com um momento de crise na economia não preocupa.
- Somos uma empresa boa de crise - descreve, referindo-se ao ritmo constante mas cauteloso.
Combinando a formação em Economia com a prática do surfe, Julio dá forma a uma visão particular de como encarar o momento do Brasil: nos livros, aprendeu que o país vive de ciclos. Nas ondas, a ter paciência e saber tanto a estratégia para entrar quanto a necessidade de ter um plano para quando a água fecha.
Assista ao vídeo:
Leia a entrevista:
A crise está afetando os negócios da empresa?
Está se refletindo nos custos, porque, como o país está vindo de um descontrole das contas públicas e de algumas políticas equivocadas, a gente está vendo a inflação voltar. Para o varejo, inflação é um problema sério. Há reflexo na energia elétrica, na pressão salarial, não só pela questão do dissídio, mas porque o dinheiro das pessoas que trabalham com a gente não rende mais. Também há pressão do aluguel. Na venda, a gente não está sendo afetado.
A rede trabalha muito com cosméticos, que tiveram alta por conta do dólar. Isso pesou?
Nos cosméticos, houve a variação cambial, que as indústrias estão tendo de repassar, e uma mudança tributária. Existia um planejamento tributário da indústria de usar distribuidoras próprias para fazer a venda do produto. O governo identificou isso como uma oportunidade e colocou nessa cadeia o pagamento de IPI. Então, o cosmético vai ter um aumento entre 12% e 15% ainda neste mês. As tabelas dos fornecedores estão sendo refeitas. Quem paga a conta é o consumidor.
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O impacto do câmbio é administrável?
Não temos impacto direto porque não importamos nada. A gente repassa o que os fornecedores recebem de pressão dos custos.
Não há insumos importados na produção?
É relativamente pouco, o que pesa mais são os aromas, todos importados. Representam 10% a 15% da linha de produção própria.
Há tentativa de evitar parte do repasse?
Estamos buscando ser mais eficientes. Concluímos um investimento gigante, de R$ 100 milhões, em estrutura logística. Todas as empresas, de uma ou outra forma, estão em contexto de competição, então há um limite de repasse de preços, o que é salutar.
Vocês vão ter de esperar mais pelo retorno desse investimento por conta da crise?
Não necessariamente vai demorar por causa desse cenário, porque a venda não foi afetada. Fechamos o primeiro trimestre dentro da nossa meta, com 15% de aumento de vendas. É um belo aumento. Quando a gente tem a linha de cima (receita) funcionando bem, a de baixo (despesa) a gente consegue gerenciar melhor. Todo repasse tributário é direto, inevitável. Não acho que uma reforma tributária agora seja viável, talvez fosse mais adequada uma simplificação tributária. Toda empresa que se preocupa com o mercado interno gostaria de desoneração do consumo, para tornar esse mercado brasileiro um pouco maior.
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Mas o que está em discussão no Rio Grande do Sul, nesse momento, é o contrário, é um aumento de ICMS...
A gente escutou do governador que esse aumento de 1 ponto percentual, de 17% para 18%, não ajudaria em nada, não teria reflexo nenhum. O aumento de imposto é repassado para o consumidor final. O problema é que o potencial de consumo vai se esgotando. Tem menos renda disponível. O mundo ideal seria ter um governo que faça gestão melhor de seus custos, focado em áreas importantes, como segurança, saúde e educação, mas para poder focar nessa áreas é preciso ter um Estado com mais eficiência. Há muita ineficiência, seja no governo estadual, seja no federal. O governo tem de olhar para a linha de cima (aumentar a receita) incentivando empresas, o pequeno, o médio e o grande empresário. E para desamarrar esse segmento, é preciso simplificar leis tributárias e trabalhistas. É preciso acabar com esse preconceito sobre o lucro. O Estado precisa que as empresas tenham sucesso para que o país tenha sucesso. É preciso vender o Brasil como um lugar em que as empresas são bem-vindas. No Rio Grande do Sul, temos um desafio, porque é um Estado mal localizado dentro Brasil em termos logísticos. O Brasil precisa se desenvolver, mas por meio da iniciativa privada.
E como a empresa alcançou esse resultado de aumento de 15% no primeiro trimestre? Algo mudou na estratégia?
Na verdade, não mudou muito. Somos uma empresa boa de crise. Quando tem dias de sol, a gente não anda mais rápido. Então, quando tem dias de chuva, a gente não é pego de surpresa. Pelo histórico de crescimento da empresa, vai ver um crescimento muito consistente, muito regular. O país teve uma fase de grande incentivo ao consumo, desonerações de IPI, e havia mais renda disponível, mas isso não fez com que a Panvel entendesse 'ah, agora o mercado está maravilhoso, vamos abrir mais lojas'. Não faz parte da nossa cultura. Nossa cultura é crescimento de 13% a 15% todos os anos, a cada cinco anos a empresa dobra de tamanho. Nessa época de crise, vamos fazer mais do mesmo. É o que a gente vem fazendo, é a nossa receita, fazer consistentemente. Se olhar para a história do Brasil, vê que o país foi construído e continua sendo construído em ciclos econômicos. Assim como essa crise que estamos vivendo vai acabar. Não é porque o pais está em crise que vai ficar em crise para sempre. Nunca foi assim, porque seria agora? Para este ano, estamos prevendo inaugurar 32 lojas, no ano passado foram 26.
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A Panvel enfrentou problema de contratação de mão de obra? E como faz treinamento?
A gente foca na liderança. Em toda empresa de varejo, os postos de entrada têm turnover (taxa de substituição) muito elevado, de 30% a 40%, às vezes até 50%. É o mesmo nível da Panvel. É o pessoal que tem contato direto com o cliente. Por isso, a gente foca na liderança, no núcleo de gestão da loja - gerente, subgerente, farmacêutico, consultora de beleza. Nesses níveis, o turnover é muito baixo. A nossa crença é que, mais importante do que treinamento, é cultura do atendimento. E precisa permear todas as pessoas. E como se constrói cultura? Dando exemplo. Às vezes, recebo relatos de atendimento que não foi legal em alguma loja, e vou a fundo. Faço porque é uma oportunidade única para mim, como líder da organização. Temos de estar próximos dos clientes e, em momento de crise, isso é fundamental.
E como se replica esse modelo de atendimento no e-commerce?
Apesar de o conceito ser relativamente novo, para nós é o que fazemos há 30 anos com o Alô, Panvel. A gente não vê mudança gigantesca no segmento. Há alguns com impacto muito grande, como os que o produto foi digitalizado, como o caso das locadoras de vídeo. Os de produtos de maior valor unitário também são mais impactados. O e-commerce está preparado, mas ainda melhor onde temos lojas físicas, porque consigo ter agilidade de entrega eficiente. A gente não tem uma ameaça de novas grandes empresas que montam operação em paraíso fiscal e saem vendendo pelo Brasil, porque o preço é baixo, e esse tipo de negócio não quer ficar esperando. O e-commerce representa 9% das nossas vendas. Não existe gap digital na Panvel. Estamos superatentos ao mundo digital, não só para venda, mas para a construção da marca.
Como um dos responsáveis pela cultura da empresa, qual sua trajetória?
Eu comecei em 1995, na área de marketing, como supervisor, aos 22 anos. Tive experiência em agência de propaganda antes. Sou economista, consigo ter uma visão mais ampla, crítica, sobre questões tributárias, governo, ciclos econômicos.
O fato de ser visto como herdeiro dentro da empresa foi um desafio?
A empresa não é uma empresa de herdeiros. É uma empresa de capital aberto, e isso influencia bastante na gestão. Não é porque é membro da família que tem privilégios. Temos mais de 500 acionistas, existe um controle acionário exercido por três blocos de famílias distintas - Mottin, Pizatto e Weber. Desde a minha entrada, sempre fui tratado como um membro da equipe e sempre tive de respeitar as regras da empresa, com relação a horários, férias. Esse é o único meio de uma empresa de controle familiar conseguir progredir ao longo dos anos. Já sou a terceira geração aqui dentro, e minha trajetória foi absolutamente convencional, fui supervisor, gerente e diretor de marketing, e agora sou vice-presidente da empresa. Minha preocupação maior foi identificar pessoas que poderiam estar me substituindo. Nenhuma empresa se desenvolve sem desenvolver pessoas. Hoje temos 20 supervisores de loja. Todos foram gerentes de filial. Na diretoria, temos três diretores-adjuntos, nenhum veio de fora. Todos foram desenvolvidos aqui dentro. Não tenho nada contra o cara de fora, mas não existe empresa com cultura forte sem dar oportunidade a pessoas aqui de dentro.
Sua passagem pela vice-presidência é uma fase com desdobramentos futuros?
O que posso dizer é que temos um processo de sucessão em curso que até o final do ano vai ser concluído.
Durante sua trajetória, você se sentiu testado...
(interrompe) O tempo inteiro, o tempo inteiro. As minhas respostas para isso foram duas. Em primeiro lugar, procurei sempre ter uma boa relação com as pessoas aqui dentro, ter um grande respeito por todos, não me achar o dono da verdade nem o mais inteligente de todos. Em segundo, estudo muito. Sempre soube que existia uma expectativa muito grande em relação a mim, por fazer parte de uma das famílias. Não só eu deveria dar o exemplo, como deveria buscar uma evolução contínua. Depois de formado, fiz três cursos em Harvard, já li muito. Então consegui trazer a pressão de maneira positiva. Em vez de encarar de forma que me fizesse ficar com medo e não evoluir, procurei usar para crescer. Em qualquer empresa familiar, o risco de perder o emprego é menor para um integrante do que para um executivo contratado (risos).
Você chegou a ter alguma dúvida se era isso que queria?
Ah, eu sou um apaixonado pelo varejo. Adoro esse contato com as pessoas, saber por que compram da gente, por que escolhem nossos produtos.
E já tem essa resposta?
Acho que é resultado da preocupação contínua com a qualidade. A empresa, desde sua formação, nunca foi focada em preço. A gente tem preço justo, mas não é nosso diferencial. Ninguém consegue construir uma organização de varejo sólida baseado só em preço. Então, sou absolutamente apaixonado. Quando tinha 15 anos, durante o mês de dezembro, em vez de ir para a praia ficava em uma loja atendendo. Fiz estágios. Nasci com o umbigo no balcão.
Por quantos verões, e em que lojas?
Entre os 15 e 20 anos, todos. Eu gostava daquela loja do Parcão, é uma loja antiga. E era perto de casa, também. A empresa para mim hoje é quase uma extensão do meu corpo. O que muitas pessoas têm dificuldade de fazer, eu faço ao natural. Toda a estratégia de expansão da empresa nos últimos meses está na minha mão. A minha evolução é resultado de anos de esforço, de dedicação, que não se constrói de uma hora para outra, por mais inteligente ou perspicaz que se seja. Se eu fosse trabalhar em outro ramo, teria de reaprender várias coisas.
E como é essa expansão com foco imobiliário?
Isso é estar próximo do consumidor. A gente identificou que o consumidor estava esperando mais da farmácia, há oito anos. Nesse período, vendeu-se muito carro, e agora não se consegue estacionar. As lojas precisam ter estacionamento. E o mercado de higiene e beleza do Brasil é o terceiro no mundo. A gente ia passar o Japão, mas com esse dólar deve ficar assim. E nesse segmento não existe um player que tenha evoluído mais do que farmácia. Hoje, o segmento representa 35% do faturamento da rede. Há 20 anos, quando eu cheguei, era 19%. A gente vendia medicamento e torcia para a pessoa, no caminho do caixa, comprar uma escova, uma pasta de dentes, ou um xampuzinho. Atualmente, tem pessoas que vão à farmácia só para comprar produtos de higiene e beleza, precisamos de lojas maiores. E isso não se encontra pronto. Quando se vai fazer expansão, não se olha mais loja, olha-se casa velha, para destruir... (reagindo a um olhar de espanto) ...mas não as tombadas (risos). Mas a gente procura terrenos bem localizados, de preferência em esquinas, e no caminho de volta para casa, porque, quando se está saindo de casa, a propensão de compra é menor.
São prédios próprios?
Não, são de investidores. Temos uma área que cuida da prospecção com corretores de imóveis. Há oito arquitetos que trabalham nessas lojas e respeitam um padrão. No próximo ano, virá um novo modelo.
E para o próximo ano, há previsão de abrir mais lojas do que neste?
Sim, porque a empresa é maior. Neste são 32, o ano que vem, estão previstas 35 inaugurações. A gente planeja com antecedência, porque o modelo de abertura de lojas mudou muito, a gente faz quase uma exploração imobiliária. O varejo de sucesso é montado em cima de uma boa plataforma de marketing. É o que a gente chama de pacotinho. Em cada loja que a gente abre, coloca o pacotinho de marketing. É uma marca que se preocupa com qualidade, com a questão logística. Por isso, inclusive, nosso investimento no centro logístico, que não vai parar por aqui. Já estamos prevendo a abertura de um novo CD mais para o Norte, para o Paraná, e para São Paulo.
Mas a Panvel não está em São Paulo...
Vamos inaugurar uma no próximo ano. Nossa parceria com o Zaffari está nos levando a abrir uma loja no shopping Morumbi Town, um shopping no bairro Morumbi, onde vai ter um Zaffari e uma Panvel grande. O shopping é da Gazit (empresa israelense). Vai ser muito interessante, porque vamos matar a saudade de um monte de gaúcho que mora em São Paulo. Essa estratégia de ir para São Paulo não é um movimento conservador, mas não é uma expansão no Estado de São Paulo, até porque ainda tem muito espaço no Paraná. A gente acha que nos próximos três anos ainda tem muito trabalho a fazer no Sul. Mas entende que nosso pacotinho de marketing não tem igual em nenhum lugar do Brasil. E vamos testá-lo em São Paulo. Temos uma linha de produtos próprios que nenhuma farmácia do Brasil tem. Em redes sociais, há muitos comentários sobre nossos produtos. Em São Paulo, tem muitas pessoas querendo que abra uma Panvel para ter contato com esses produtos a que só acessa hoje pelo e-commerce.
Que tipo de loja será?
É uma loja completa, de 300 metros quadrados, vai ter todo o mix. E é um teste para ganhar confiança. Nosso plano de três anos é nos concentrar na Região Sul. Não quer dizer que não abra mais uma, duas ou três. Mas o próximo Estado para expansão, em quatro anos, é São Paulo. É o caminho natural. Não saltamos Santa Catarina para chegar ao Paraná. Então não vamos pular para o Rio de Janeiro, vamos para São Paulo.
A estratégia da Panvel tem um modelo?
Não olho as farmácias americanas porque acho que, ao longo do tempo, viraram armazenzões, perderam o charme. Agora, estão tentando reconquistar. Farmácia não pode perder o charme. Há um tempo, discutimos aqui se deveríamos vender salgadinho. Chegamos à conclusão de que não. Ia tirar nosso potencial no segmento de beleza, muito mais importante do que vender salgadinho a R$ 1 ou R$ 2. Tem uma farmácia na Inglaterra, chamada Boots, que trabalha muito bem. Tem uma linha de maquiagem chamada Number 7 que é líder no Reino Unido. E são da mesma empresa da Walgreens (uma das mais conhecidas redes dos EUA). Mas há outros benchmarkings. Há dois meses esteve aqui o presidente do Boticário, o Artur (Grynbaum). Nossa estratégia de venda de presentes vem muito de olhar para o Boticário.
Como vocês monitoram a concorrência?
Nada tem mais concorrência do que farmácias. Todo gerente de banco que sai e não sabe o que fazer abre uma (risos). O número de farmácias ainda é absurdo no Brasil. Quando se fala em consolidação (concentração) de mercado, tem um caminho grande no país. Acho muito positiva para nós a vinda de concorrentes qualificados. Bota pressão para que sejamos mais criativos.
A Panvel pode se tornar compradora?
É difícil para a grande empresa manter qualidade, mas também não pode ser pequena demais e não ter escala. Consolidação é uma arte. Temos de nos tornar grandes, mas não podemos perder a alma de empresa pequena. Temos 326 lojas. Nosso crescimento vai ser orgânico, que é mais barato, eficiente e faz com que a gente cometa menos erros. Ainda há muita sonegação fiscal, há muitos passivos, e uma rede como a nossa não pode entrar nessa.
E como vai o surfe?
Vai mal (risos). Gostaria que estivesse melhor. Só no verão. Tenho surfado muito pouco.
Os lugares com as melhores ondas foram todos carimbados?
Já viajei pelo mundo inteiro, fui para Indonésia, vários lugares. É bom que tenha sido assim, porque agora não tenho muitas ambições em relação a isso. O legal é que está se desmitificando um pouquinho a imagem do surfe. Antes havia a imagem do surfista vagabundo, fumador de maconha, que não gostava de trabalhar. Aqui no Rio Grande do Sul, o André Johannpeter (presidente do conselho de administração de uma das duas holdings do Grupo Gerdau) é surfista.
Ele é mais conhecido por ser cavaleiro...
Mas antes de ser cavaleiro, foi surfista. Acho muito bom ver exemplos como ele. É bacana. O surfe nos ajuda a passar as ondas do mercado (risos). Exige paciência, porque não é um esporte em que a gente vai para uma quadra e ela está prontinha, sempre igual. Cada dia é diferente, a onda está de um jeito diferente. Quando entra, precisa saber a estratégia dentro da onda. E tem um momento em que a onda vai fechar, então precisa saber o que fazer quando isso acontecer.
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