Com rara Síndrome de Sanfilippo, que causa atraso mental progressivo, Gisela Franco Bernardes, 13 anos, precisa de cinco remédios de uso contínuo para controlar os sintomas da doença, conforme laudo médico emitido pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Um deles é um medicamento experimental, importado da Polônia com o nome comercial Soyfem, que está fora da lista dos que são distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A mãe da menina, a corretora de imóveis Daniela Franco, há duas semanas encomendou pela internet um lote de 18 caixas - e agora pede à Justiça o repasse de US$ 468 para pagar a fatura do cartão de crédito.
Casos como esse são mais comuns do que se imagina. De janeiro a março deste ano, a Defensoria Pública do Estado, que fornece auxílio jurídico gratuito a quem não pode pagar advogado, atendeu, em Porto Alegre, 706 pessoas que, com receitas médicas nas mãos, solicitavam 469 medicamentos diferentes - todos considerados "fora de lista" ou não cumpridores do protocolo clínico do SUS (por exemplo, um medicamento pode ser fornecido para os diagnosticados com esquizofrenia, mas não para os com bipolaridade).
Desses, 79 viraram processos judiciais. Os demais conseguiram que os médicos receitassem substitutos oferecidos pelo SUS ou não voltaram à Defensoria com a documentação necessária para ajuizar as ações. Fármacos "fora de lista" ou do protocolo clínico não podem ser pedidos de forma administrativa, só judicial.
A Defensoria não tem um levantamento dos números de todo o Estado porque o sistema não é informatizado. Para se ter uma ideia, tramitam atualmente, ao todo, 66.986 ações judiciais na área da saúde no Estado, o que inclui pedidos de medicamentos em geral (não só especiais) e de tratamentos de saúde, segundo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Desse total, 4.788 foram iniciados entre janeiro e março.
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Para Gisela, que tem idade mental de cinco anos, são necessários 28 comprimidos por dia para estabilizar sua condição, marcada pela hiperatividade. O Trileptal, tratamento contra a epilepsia, estaria há cinco meses em falta na Farmácia de Medicamentos Especiais do Estado (FME).
- Muitas vezes preciso pagar do próprio bolso. Vivo uma vida de empréstimos para atender os cuidados que minha filha inspira - lamenta a mãe, que trava lutas constantes na Justiça para obter reembolsos dos produtos que não consegue à pronta entrega na FME.
R$ 240 milhões foram destinos, em 2014, para sentenças
A SES confirma a falta do Trileptal, mas informa que a compra já foi feita e que a entrega deve ocorrer até o fim da próxima semana no Almoxarifado Central, em Porto Alegre, com a distribuição aos municípios na sequência.
Em relação ao experimental Soyfem, relata que houve um repasse de R$ 2.155,24, em 28 de novembro, para abranger as necessidades dos meses de dezembro a maio. Daniela diz que, até hoje, não recebeu o dinheiro. De acordo com a 1ª Vara da Infância e Juventude da Capital, a corretora anexou ao processo somente o valor anunciado na fatura do cartão, sem discriminar custos adicionais para além do remédio, como os impostos e o frete, o que bloqueia a liberação da quantia.
"Estamos tratando de um medicamento importado, razão pela qual existem trâmites a serem seguidos. O processo está tramitando com a maior celeridade possível, mesmo com a inércia da autora em não atender algumas determinações judiciais", informou o Tribunal de Justiça do RS, por meio de sua assessoria de imprensa.
Em 2014, o Estado do Rio Grande do Sul desembolsou R$ 240 milhões para atender sentenças judiciais na área da saúde. Desse total, R$ 235 milhões foram com medicamentos comprados por ordem judicial. O RS ainda gastou R$ 60 milhões com a compra de remédios especiais, solicitados por meio de processo administrativo.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Defensoria Pública move a maioria das ações judiciais envolvendo remédios em falta em Porto Alegre.