O professor e historiador Pedro Bogossian Porto, que pesquisa a história da diáspora armênia no Brasil, está em Erevan, capital da República da Armênia, para acompanhar as solenidades pelo centenário dos acontecimentos de 1915-1918. Por e-mail, ele concedeu a seguinte entrevista a Zero Hora:
Como o senhor define a atmosfera política em Erevan nesta sexta-feira, 24 de abril, cem anos após o início do genocídio armênio?
Há turistas de todas as partes do mundo, a maior parte deles descendente de armênios. Muitos aproveitaram para assistir ao show do System of a Down, banda de armênios-americanos extremamente engajados na causa do reconhecimento do genocídio e que nunca haviam tocado aqui. Além disso, a cidade está toda decorada em função do centenário: a flor miosótis (em inglês, chamada de forget-me-not, "não me esqueça"), escolhida como símbolo da data, foi plantada em vários pontos da cidade. Em grande parte dos carros e das lojas há adesivos que fazem referência às cerimônias. Em outdoors, há homenagens, promovidas pelo governo ou por ONGs, às vítimas e aos sobreviventes das perseguições
Como foram recebidas as declarações do premier turco, Ahmet Davutoglu, nas quais ofereceu condolências aos netos dos armênios mortos a partir de 1915?
A declaração do primeiro-ministro turco não é exatamente uma surpresa. No ano passado, o hoje presidente da Turquia (Recep Tayyip Erdogan) deu uma declaração semelhante. Essa é uma forma de a Turquia, que vem sendo cobrada por parte da comunidade internacional, dar uma satisfação a respeito dessas pressões e se mostrar sensível às famílias das vítimas, mas sem tocar no ponto que é o essencial para a comunidade armênia: o reconhecimento das perseguições e execuções como genocídio. Em termos práticos, é improvável que isso represente um avanço nas relações entre Armênia e Turquia e tampouco que aplaque as pressões especialmente presentes na diáspora armênia.
A República da Armênia foi, de 1918 a 1991, parte da experiência soviética. Como o poder soviético lidava com a memória do genocídio?
Durante o período de dominação soviética na Armênia, havia pouca autonomia. A União Soviética não admitia o fortalecimento de nenhum nacionalismo que pudesse disputar com o pertencimento à própria URSS. A memória do genocídio, no entanto, obviamente permanecia entre os armênios, mesmo porque muitos sobreviventes do genocídio fugiram para a recém-criada República da Armênia. A relação com o governo soviético começou a mudar quando Moscou percebeu que poderia usar o genocídio como moeda de troca para barganhar com a Turquia, que já fazia parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e, portanto, poderia representar um risco. A partir daí, o governo soviético passou a tolerar, moderadamente, o florescimento de símbolos nacionais armênios. Foi nesse período (década de 1960) que foi construído, por exemplo, um grande monumento à "Mãe Armênia" (isto é, à pátria armênia).
Como os armênios conciliam a memória do genocídio com o fato de terem sido, no enclave de Nagorno Karabakh, acusados de deslocar cerca de 1 milhão de azeris entre 1988 e 1994?
Sobre as percepções da população do Nagorno-Karabakh, eu não posso lhe falar muita coisa, porque não pude ir à região ainda. Na verdade, o cessar-fogo lá é muito frágil, portanto é uma região um pouco perigosa atualmente. Em termos históricos, porém, conflito lá é antigo. Era uma região armênia em 1919, que foi transferida para o Azerbaijão no governo do Stalin. O resultado é que a região ficou com uma composição populacional heterogênea, com grandes populações tanto de origem armênia quanto de origem azeri. Isso não era exatamente uma questão problemática enquanto o regime soviético estava em seu apogeu, quando ele se encarregava de mediar os conflitos. Com o enfraquecimento do poder de Moscou, no entanto, as tensões aumentaram até a eclosão da guerra de secessão, em 1988.