No ano passado, 8,4 toneladas de medicamentos comprados com dinheiro público tiveram como destino aterros da Região Metropolitana. O motivo? Como não foram distribuídos a tempo, o prazo de validade expirou, fazendo com que 23 quilos de remédio fossem descartados diariamente. O volume é 8,8% menor do que o registrado em 2013, quando 9,2 toneladas foram parar no lixo.
Conforme dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, o valor das medicações descartadas em 2014 equivale a R$ 3,2 milhões. A Secretaria da Saúde pondera que a cifra representou 0,53% da verba investida pela União e pelo Estado na aquisição de fármacos, que alcançou R$ 606,2 milhões.
O valor - embora seja 32% inferior ao de 2013 - é maior que o total gasto no ano passado com programas como o RS na Paz (R$ 3 milhões), que objetiva reduzir a violência no Estado, e corresponde ao triplo do que foi investido em 2014 em ações de prevenção e enfrentamento da violência contra as mulheres (R$ 970 mil), e seis vezes mais do que a verba aplicada no projeto de acesso e garantia à universalidade dos direitos das pessoas com deficiência.
Segundo Francisco Bernd, chefe de gabinete do secretário João Gabbardo, as rotinas da pasta estão sendo revistas, mas dificilmente será possível zerar o volume. Em três meses, a nova equipe pode constatar o superdimensionamento de programas. O trabalho, nesses casos, será de readequação.
- Não tem sentido descartar o que tem valor, mas, em algumas situações, fica difícil. Vamos tentar reduzir ao máximo - diz Bernd.
Especialista sugere novo foco para a saúde pública
De acordo com o professor Aragon Dasso Júnior, do curso de Administração Pública e Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, são inúmeras as variáveis que podem levar ao descarte de fármacos. Entre as quais, o gerenciamento inadequado e o fato de o repasse de medicamentos não ser fracionada - ou seja, o usuário recebe mais do que o necessário, o que acaba impactando nas compras e estoques.
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Para Dasso Júnior, é possível reduzir o volume descartado anualmente, e a solução passa por um acompanhamento mais eficaz, além de uma mudança no foco das políticas públicas na área da saúde.
- O sistema privilegia a cura em detrimento da prevenção. Não deveria ser a lógica do SUS. O sistema preventivo, inegavelmente, gera menos lucro para a indústria farmacêutica, e essa é a questão. Em tempo de dificuldades financeiras, não adianta só pensar em arrecadação. O segredo é diminuir despesas - avalia o professor.
Uma década de combate à má gestão
Foi a dificuldade de obter medicamentos após um transplante de rim que levou o administrador Dámaso Macmillan, 62 anos, a criar, em 2005, o Banco de Remédios, uma associação que redistribui remédios doados por pessoas, instituições e também por órgãos públicos.
Para receber os fármacos, é preciso estar cadastrado e pagar taxa mensal de R$ 30, que auxilia na manutenção da entidade. Atualmente, o banco tem 2 mil sócios:
- Nenhum medicamento poderia ir parar no lixo. Cerca de 95% da população não tem condições de comprar remédio e, muitas vezes, tem grande dificuldade de obtê-lo junto ao Estado porque ou o item está em falta ou não é fornecido.
Ao longo dos últimos 10 anos, Macmillan acompanhou de perto os efeitos da omissão do poder público, além das falhas de planejamento. Ele conta que, certa vez, uma prefeitura do Ceará entrou em contato com a entidade para doar um antialérgico, que havia sido adquirido em volume capaz de atender uma população cinco vezes maior que a do município de 5 mil habitantes.
- O Estado, e não só o nosso, está perdido na compra dos medicamentos. Trabalham sem estatísticas, sem método definido para a compra. Esse descarte é fruto de má gestão. É um dinheiro que poderia ser redistribuído e usado para adquirir remédios que faltam, como para estômago, de baixo custo, necessário para muitas pessoas e que falta com frequência no Estado - exemplifica Macmillan.
Para mais informações sobre como funciona o Banco de Remédios de Porto Alegre ligue para (51) 3226-2363