Defensor do fim do euro, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira disse nesta terça-feira a Zero Hora que a crise exige controle da conta corrente (saldo das transações comerciais e de transferências) de cada país. Convidado pelo jornal francês Le Monde para falar sobre o assunto, Bresser falou por telefone, de Paris, a Zero Hora.
Quais são as saídas possíveis para a presente crise do euro?
Essa é uma crise de desequilíbrio cambial interno. Isso significa que os salários aumentaram mais do que a produtividade nos países do Sul europeu e na Irlanda, enquanto na Alemanha e em outros países os salários cresceram menos do que a produtividade. Quando salários aumentam mais do que produtividade, há perda de competitividade, as empresas vendem menos e os países começam a se endividar. Esse endividamento é consequência do déficit em conta corrente. O que a zona do euro devia fazer - já que, em razão da moeda única, não existe o mecanismo da depreciação cambial usualmente adotado pelos demais países - seria um controle severo, administrativo, da conta corrente. Isso é, de certa forma, um planejamento e deve ser acordado. É difícil, mas pode acontecer. A União Europeia e o Banco Central Europeu podem ir acompanhando esses valores, assim como antes acompanhavam só o déficit público e o nível máximo de dívida pública. É preciso controlar também a conta corrente e a competitividade.
O senhor defende o fim do euro. Sem a moeda, a Europa não estaria às voltas com o agravamento da situação atual, sem as vantagens?
É o oposto. Por que, aqui na França, Marine Le Pen (líder da Frente Nacional, partido de extrema-direita antieuro) está se fortalecendo? Porque ela é contra o euro, e o euro tem sido um desastre para esses países. Mas não adianta ficar discutindo isso, porque a hipótese de abandono do euro, para mim, está - por enquanto, pelo menos - descartada. E, se você vai continuar com o euro, não pode fazer apenas a administração do déficit público e da dívida pública, um associado ao outro, e deixar que o mercado cuide do resto. Isso é o que os economistas ortodoxos querem. E não é verdade, ficou provado. É preciso cuidar do déficit em conta corrente e da relação do custo unitário do trabalho, que é a taxa de salários média do país dividida pela sua produtividade. A evolução desse índice deve ser mais ou menos a mesma em todos os países.
Qual será o destino da política de austeridade?
Proponho várias coisas. É preciso controlar não apenas o déficit público, mas também a conta corrente e a competitividade, ou seja, o custo unitário do trabalho de cada país comparado com o dos outros. Em segundo lugar, é preciso afrouxar a austeridade. Não é acabar com ela, é afrouxar, porque você ainda não conseguiu acertar todos os salários. Há países atrasados. Não é o caso da Espanha, que já está com seus salários no nível correto, foi a que fez o ajuste mais forte. Esses países ficaram endividados porque tiveram de salvar as empresas, os bancos. Não se deve usar a austeridade para resolver o problema da crise dos Estados. É preciso fazer a reestruturação da dívida deles, como é o caso, principalmente, da Grécia. Mas, provavelmente, será preciso fazer a reestruturação de outros países.
Como vê a atual situação política do Brasil?
É muito ruim. A presidente Dilma Rousseff começa o novo mandato com pouco poder. Seu apoio na sociedade civil, ou seja, nas classes médias e na classe alta brasileira, que ainda têm mais peso na sociedade civil, está caindo. Vai ser muito difícil governar. Está fazendo compromissos, escolheu um ministro conservador, ortodoxo, porque os ministros heterodoxos cometeram muitos erros e a situação ficou insustentável. Vamos torcer para que ela consiga equilibrar a economia brasileira. A democracia está consolidada. Essa história de pedir impeachment de Dilma é ridícula. Nas democracias, é fundamental que se respeitem os governos. Estamos distantes dos tempos de Carlos Lacerda e da UDN (respectivamente, líder e partido de oposição aos presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart). Nos anos 1950 e 1960, tínhamos golpe em cima de golpe, mas isso não existe mais no Brasil, graças a Deus. O Brasil tem uma democracia consolidada. Nossa revolução capitalista está completa, e todos ganham com a democracia. Mas o Brasil não cresce, e não é por causa de Dilma. Não cresce há 34 anos. Só cresceu no boom das commodities, no governo Lula, que teve sorte nesse sentido.