Pergunte a qualquer veranista e a maioria deles dirá que as primeiras semanas do veraneio no litoral gaúcho foram ótimas. Tirando ocasionais chuvaradas, tem sido um janeiro de sol forte, brisa marinha amenizando o calor e até um mar estranhamente azul, despido da cor de lodo com que habitualmente se apresenta. Haverá, no entanto, um determinado conjunto de frequentadores que qualificará o veraneio como "ruim", "fraco" ou "o pior que já vi".
São os ambulantes que percorrem a orla com seus produtos. Gente como Jefferson, gaúcho de Panambi, que marca seu carrinho no horizonte com uma pandorga, em Capão Novo, ou o baiano Noel, que anda pelas areias de Capão da Canoa com uma torre de chapéus. Ou como a mineira Eusane dos Santos, 27 anos, cuja sinalização mais marcante enquanto guarnece seu carrinho em Tramandaí é seu amplo sorriso, presente mesmo quando comenta as dificuldades:
- Tá mais complicado vender neste ano. A concorrência na areia é forte, também. Uma peça que eu compre por R$ 20, peço R$ 35 ou R$ 30, os fregueses reclamam. Aí tem de baixar para R$ 25 só para não encalhar com o estoque, até porque, se eu não baixar o preço, algum outro na praia baixa, né?
Eusane e o marido, o também vendedor e agricultor Rogerio Aparecido, vêm há nove anos para o Rio Grande do Sul para circular na beira da praia com seus carrinhos de mercadorias. São, ambos, trabalhadores nômades impulsionados pelo ritmo das estações. Nasceram os dois em Chapada do Norte, no nordeste de Minas Gerais, no alto do Vale do Jequitinhonha. Em linha reta, são 349 quilômetros de distância a Belo Horizonte. Com o zigue-zague das BRs e vicinais, contudo, pode-se rodar mais de 500 quilômetros da capital mineira até a cidade de cerca de 15 mil habitantes, com ruas tortuosas em ladeiras íngremes, com casas de alvenaria cobertas por telhas de cerâmica.
- Você pega a BR-367 em direção a Diamantina, passa Diamantina, Turmalina, Minas Novas e aí é Chapada do Norte - explica Eusane, continuando a sorrir.
É de lá que ela e Rogerio se abalam até o Rio Grande do Sul para trabalhar vendendo chapéus, biquínis, cangas, saídas de banho. No começo, vinham de ônibus, uma viagem de mais de 30 horas. Depois de juntarem o suficiente, começaram a fazer o trajeto de carro, Rogerio na direção, Eusane no banco do carona, e os filhos Jônatas, 10 anos, e Vinícius, quatro, no banco de trás. A irmã de Rogerio vem junto para cuidar dos sobrinhos enquanto o casal passa 12 horas circulando pela areia oferecendo suas mercadorias - chegam às oito da manhã, voltam às nove da noite, porque estão hospedados em uma casa longe da praia e sai mais em conta ir para a orla e ficar por lá de uma vez. Almoçam ao meio-dia nos próprios quiosques da faixa de areia e logo voltam ao batente. Ela num extremo da praia, Rogerio no outro. Findo o verão, voltam todos para Minas Gerais e a dinâmica muda. Eusane dedica-se a cuidar da casa e dos filhos, enquanto Rogerio trabalha em lavouras de café.
Táticas de venda e de sobrevivência
Neste peculiar verão sulista, há dias em que o sol se derrama sobre a areia do litoral com tanta intensidade que a qualquer momento seria de se esperar ver os grãos fumegantes da praia se fundirem em uma lâmina de vidro. Por isso, Eusane, que faz descalça todo o trajeto da praia, protege os pés na sombra do carrinho metálico com rodas de borracha que reboca puxando uma barra na parte da frente. Puxar a favor do forte vento do litoral também é um dos macetes aprendidos ao longo do tempo para aliviar a tarefa. Neste ano em que as vendas nem têm sido assim tão boas, Eusane pouco se desloca. Estaciona o carro em um ponto próximo da plataforma e por ali fica, batendo papo com outras vendedoras como ela, vindas de outros lugares do Brasil. Mas por que, afinal, ela, assim como outros ambulantes da beira da praia, qualificam este ainda jovem verão 2015 como "o pior dos últimos tempos"?
- Não se vende quase nada. Não sei se é por causa da gastança na Copa ou se o pessoal está se guardando para o Carnaval, mas não tem saído. E o consumidor tem chorado muito para a gente diminuir o preço.
Para Eusane, as vicissitudes comerciais da estação são um pouco mais acentuadas do que para outros vendedores. Alguns são também artesãos de suas próprias mercadorias, tecendo vestidos de crochê ou chapéus de sisal, o que dá uma possibilidade de baratear custos e preço final. Ela e Rogerio compram mercadorias prontas.
- Esse modelo aqui - diz, passando a mão em um vestido branco de crochê pendurado na parte posterior do carro -, a gente paga por ele R$ 45. Como as vendas estão fracas, a gente vende muitas vezes a R$ 50, porque precisamos diminuir o estoque.
As mercadorias que têm mais saída entre o que Eusane expõe na beira da praia são vestidos curtos estampados de Liganete (um tecido obtido de uma combinação de poliéster com elastano e que a mineira define cirurgicamente como "essa malha geladinha"), biquínis, sunquínis e saídas de banho. Enquanto conversamos, uma freguesa chega e experimenta um biquíni por cima do que já está usando. Deixa de lado, pega outro, repete a operação, diz "obrigada" e se vai sem que Eusane tenha tempo sequer para declinar o preço da peça. Ela olha para o repórter e dá um sorriso que indica a situação recém testemunhada como uma verdadeira ilustração do que vinha falando até agora.
Apesar das dificuldades para convencer alguém a adquirir o que ela está tentando vender, Eusane não se abala. O sorriso que não deixa seu rosto é às vezes tímido e às vezes franco, mas nunca sofrido. Ela mesma elenca seus motivos para satisfação: seu filho mais velho passou de ano, ela está na companhia da família, trabalhando, e já fez muitas amizades na beira da praia em suas frequentes incursões pelo Rio Grande do Sul.
- O pessoal aqui é muito gente boa. A gente faz bastante amizade bem rápido, e o gaúcho é bem direto. Apesar dessa crise braba, se o pessoal quer, compra, se não quer, diz na hora, eles respeitam nosso trabalho. O pessoal lá em Minas é mais desconfiado assim de primeira, acha estranho gente nova, mas depois simpatiza. As pessoas aqui já conversam mais, brincam mais - diz ela, antes de dizer adeus e continuar sua caminhada rebocando o carrinho pela praia, sem interromper o sorriso.