Especialistas do curso de Ciências Aeronáuticas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) são unânimes em afirmar que o pouso emergencial de um avião da Azul na Base Aérea de Canoas não aconteceria naquela cidade, caso a pista do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, tivesse sido ampliada. A decisão do comandante do voo 4111, que voava de Confins (MG) a Porto Alegre na manhã desta segunda-feira foi lógica: para evitar riscos na aterrissagem por causa de problemas no sistema de freio, ele decidiu pousar em Canoas, onde a pista é mais comprida - tem 471 metros a mais.
- Por que ele teve que ir para Canoas? Porque a pista de Porto Alegre é curta. Com problema no freio, ele vai parar lá no meio do mato no Salgado Filho. Ele foi para Canoas para ter mais segurança - explicou o professor e diretor da Faculdade de Ciências Aeronáuticas da PUCRS, Elones Fernando Ribeiro.
O pouso emergencial aconteceu três dias depois de o ministro da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, Eliseu Padilha, ter afirmado que o governo federal não vê necessidade de investir no prolongamento da pista. O motivo é a "falta de demanda".
- O Salgado Filho opera com cargas há cinco anos, e 35 mil toneladas foram transportadas por via aérea (no último ano). Nós ainda não temos cargas para sair daqui com um avião (cargueiro) lotado. Portanto, para que pista mais longa mesmo? - afirmou o ministro, na sexta-feira.
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Ribeiro contesta essa tese e aponta que sempre houve muito movimento de cargas no Salgado Filho. O volume estaria limitado pelas condições atuais da pista, segundo o presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura, Paulo Menzel. Ele calcula em US$ 3,3 bilhões por ano as perdas do Estado em cargas aéreas por causa do tamanho da pista do Salgado Filho. As cargas acabam sendo levadas para Guarulhos (SP) e Viracopos (Campinas-SP).
Aeronave voou por 1h30min para gastar combustível
No caso do avião da Azul, o comandante decidiu ficar cerca de uma hora e meia voando na área do Polo Petroquímico para gastar combustível. Conforme o coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS, Hildebrando Hoffmann, a medida é necessária para diminuir o peso da aeronave. Sem poder contar com todas as instâncias do sistema de freios, como anunciado aos passageiros pelo comandante durante o voo, ficaria mais difícil controlar o pouso.
Há quatro instâncias de freios em um avião. Dois são aerodinâmicos, os flaps (atrás das asas, que baixam na hora do pouso) e os spoilers (em cima das asas, que levantam na aterrissagem). Eles são importantes não só para parar a aeronave, mas também para fazer com que ela não caia quando a velocidade está menor, estabilizando-a enquanto se aproxima do solo.
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Também há as turbinas, que operam no reverso na hora de tocar o chão - o ar é expelido em direção à frente (na verdade, um pouco para os lados, entre 35º e 40º de inclinação) do avião, ao contrário de quando está voando, quando o ar segue no sentido traseiro.
Por fim, há dois sistemas mecânicos que operam nas rodas do avião, já em solo. O primeiro é automático, o autobreak, regulado por meio de uma chave que vai do nível um ao seis, conforme o tamanho da pista em que se vai parar. O segundo é manual. Trata-se de um pedal operado pelo piloto. Muitas empresas sequer utilizam essa alternativa no dia a dia para evitar desgastes desnecessários.
Casos como o desta segunda-feira, de aviões deixarem de pousar no Salgado Filho para utilizar outro local, são raros, lembra o professor Ribeiro. O que não diminui os inconvenientes da pista curta. O professor Hoffmann lembrou do caso do avião da Copa Airlines que, muito carregado, teve de partir de madrugada, quando a temperatura estava menor, permitindo maior sustentação que durante o dia. Uma pista quase um quilômetro maior, como se planejava para o Salgado Filho, possibilitaria a decolagem no horário marcado, evitando atrapalhar os planos de dezenas de passageiros.
A companhia divulgou nota oficial explicando o ocorrido:
A Azul Linhas Aéreas Brasileiras informa que o voo 4111, com origem em Belo Horizonte, aeroporto de Confins, e destino Porto Alegre, precisou alternar sua rota para a base aérea de Canoas por conta de um problema de ordem técnica na aeronave. Os clientes foram prontamente assistidos de acordo com a Resolução 141 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e serão reacomodados em outros voos. A Azul lamenta eventuais transtornos e ressalta que medidas como essas são necessárias para conferir a segurança de suas operações.
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Foto: Bruna Scirea
* Zero Hora