Na madrugada de 14 de novembro passado, policiais federais vasculharam o cofre de um luxuoso apartamento na Rua Roberto Keer, em São Paulo - pertencente a José Aldemário Pinheiro Filho, presidente da construtora baiana OAS. Ali, encontraram 54 folhas de documentos diversos, que vão de anotações sobre pagamentos a serem feitos até a modelagem de ofertas de parceria encaminhadas pela empreiteira a dois bancos públicos, a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Entre as ofertas, estavam as três arenas multiuso erguidas pela empresa no país: a do Grêmio, a Fonte Nova (em Salvador) e das Dunas (em Natal). Avaliados no conjunto em R$ 1,8 bilhão, esses modernos estádios ofereciam, segundo um dos estudos apreendidos, "ativos de alta qualidade, base contratual sólida, fluxo de caixa recorrente, benefícios e oportunidades aos bancos e grande clientela em potencial nos torcedores".
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O material é ricamente ilustrado em fotos coloridas e ponteado de cifrões. Menos de um ano após a elaboração do documento de modelagem da OAS, os estádios saíram do papel, mas o sonho dourado da construtora virou um problemão. Cinco dirigentes da empreiteira foram parar na cadeia por força da Operação Lava-Jato, na qual a Polícia Federal (PF) busca punir corrupção entre empreiteiros e Petrobras. Entre eles, José Aldemário, conhecido como Leo Pinheiro. No início do mês, a OAS deixou de pagar US$ 16 milhões (R$ 43,2 milhões) em juros de títulos, e mais de R$ 100 milhões de uma parcela de sua dívida.
Há um prazo de carência antes de a companhia ser declarada oficialmente em calote, mas agências internacionais de avaliação de risco rebaixaram sua nota de crédito como se já tivesse desonrado o compromisso.
Jatos executivos da OAS estão à venda
Um advogado especialista nesse tipo de contrato explica que o não pagamento de juro pode tornar a dívida de longo prazo em débito imediato, graças a uma cláusula restritiva bastante comum em empréstimos no Exterior, que serve para proteger os interesses do credor.
A quebra de cláusulas contratuais pode ocorrer por diversas razões, que vão desde o não pagamento de alguma parcela da conta ou rebaixamento de nota de risco - ambos ocorreram com a OAS.
No meio futebolístico, é dado como certo que a OAS fará oferta irrecusável a clubes e governos para quitarem as arenas - ou viabilizarem parcerias empresariais que consigam reforçar o caixa da empreiteira mergulhada em dívidas. A empresa colocou à venda os jatos usados por executivos e estaria estudando se desfazer da participação na Invepar, que é dona da concessão do aeroporto de Guarulhos e de negócios de saneamento.
Também é possível que haja aplicação da cláusula que permite a cobrança imediata de outros empréstimos, mesmo pagos em dia, se a empresa deixa de quitar alguma pendência. A dívida da OAS que vence em 2015 chega a R$ 1,5 bilhão. E outras companhias estão sob o risco Lava-Jato.
Dívidas somam R$ 500 bilhões
Concessões de aeroportos podem ser negociadas (Foto: Nelson Almeida/AFP)
Como os bancos relutam em conceder crédito a essas construtoras, a saída é vender patrimônio. Conforme analistas de mercado consultados por ZH, a UTC Engenharia colocou em oferta sua parte (45% de R$ 9,5 bilhões) na modernização e exploração do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP). A Engevix estaria negociando a venda, por R$ 500 milhões, de sua empresa de energia para o sócio norueguês SN Power - e pode ter de abrir mão da sua parte nos aeroportos de Brasília e Natal. É incerto o destino da Ecovix, parceria com a Caixa, em um estaleiro no Rio Grande do Sul que constrói cascos para a Petrobras. A Mendes Junior atrasou o 13º salário de funcionários e retardou obras da transposição do Rio São Francisco em Pernambuco.
As empreiteiras investigadas e a Petrobras têm, em conjunto, dívida com bancos nacionais e internacionais e fornecedores superior a R$ 500 bilhões. Declarar a inidoneidade dessas empresas e impedir a participação em obras públicas significaria, portanto, risco de calote equivalente a 10% do Produto Interno Bruto. Esse é o resumo de estudo que circula no Planalto, baseado em análises do BNDES e da Advocacia-Geral da União (AGU), divulgado pela jornal Folha de S. Paulo. O levantamento ajudou a formar a ideia de que a punição imposta aos empresários e executivos das empreiteiras não deve atingir as empresas, sob pena de moratória em dívidas e ceifa de empregos.
Empresas envolvidas seriam grandes demais para quebrar?
Às vésperas da crise que levou à bancarrota algumas das maiores instituições financeiras americanas em 2008, muitos analistas perguntavam se companhias problemáticas não seriam grandes demais para quebrar. Passados mais de seis anos da tempestade, a resposta já é conhecida: nenhuma empresa é tão grande que não possa quebrar.
A dúvida aparece mais uma vez, agora em território nacional, quando algumas das grandes construtoras brasileiras enfrentam uma situação totalmente impensada um ano atrás: forte restrição de crédito no mercado e caixa apertado.
As companhias envolvidas no escândalo da Petrobras figuram na lista de maiores companhias do país e, juntas, são responsáveis por centenas de milhares de empregos. Donas de faturamentos bilionários, nem todas têm a solidez financeira de meses atrás.
Entre as investigadas, as companhias de menor receita são as mais dependentes das encomendas da Petrobras. Cerca de 35% do faturamento anual da UTC, por exemplo, está vinculado a contratos com a estatal. Na Odebrecht, a maior delas, este percentual é de 0,7%.
São também as companhias mais alavancadas - empresa toma dinheiro emprestado a uma taxa mais baixa do que vai obter como retorno do investimento. A alavancagem é uma forma de aumentar a participação em obras sem precisar de capital próprio.
O endividamento - principalmente por meio de empréstimos e debêntures, que são títulos emitidos por empresas para captar recursos - aumentou muito a exposição das companhias, mas tudo parecia bem enquanto as obras estavam em andamento e o dinheiro seguia entrando em caixa.
- Apesar de arriscada, a prática é utilizada pelas companhias porque aumenta o retorno dos acionistas. Quanto mais elevada a alavancagem, maior o retorno, maior o risco. Houve "fome" em excesso de algumas empresas que tentaram abocanhar uma parte maior do filé sem ter estrutura financeira para isso - resume um analista que pediu para não ser identificado.
Escândalo afasta bancos
O perigo ficou evidente quando os bancos - a partir das denúncias de corrupção - passaram a reduzir os empréstimos para empresas envolvidas no escândalo. Com o caixa apertado e dívidas de curto prazo, algumas construtoras passaram a vender ativos para fazer frente aos investimentos assumidos e honrar compromissos.
Agência de classificação de risco de crédito, a Fitch colocou todas as construtoras brasileiras analisadas em observação negativa e reduziu a nota da OAS e suas subsidiárias de "B+" para "D", que indica probabilidade de inadimplência. A redução da nota de crédito da empresa por agências aponta que as companhias precisarão pagar juro mais alto para continuar captando recursos no mercado.
O possível calote pressiona também bancos brasileiros públicos e privados que emprestaram grandes quantias e agora ficam bastante expostos, pontua a Fitch.
- Não é só a saúde financeira dos bancos públicos que deve preocupar o governo. As construtoras brasileiras são responsáveis por milhares de vagas. As montadoras estão demitindo, então a pressão política por uma solução aumenta - afirma João Ricardo Costa Filho, da Pezco Mycroanalysis.
Estrangeiras atentas ao espaço que pode se abrir
Não faz muito tempo, as construtoras brasileiras ensaiavam uma disputa com os chineses pelo mercado africano. O bom momento do cenário local estimulava as grandes companhias a mirar além-mar, principalmente em Angola e Moçambique. Agora correm o risco de perderem espaço dentro do próprio quintal.
A esperada redução dos planos de investimento da Petrobras e um ambiente de preços de petróleo mais baixos já eram razão de sobressalto. Com forte presença na economia, a diminuição de encomendas da estatal costuma ter efeito direto sobre várias das empresas, que têm a petroleira como uma das principais clientes.
A suspensão aplicada a 23 das empresas citadas na Operação Lava-Jato no final de dezembro - e a eventual declaração de inidoneidade - pode ser o empurrão que faltava para a vinda de empresas estrangeiras, associadas a empresas locais de médio porte, hoje incapazes de assumir obras sozinhas.
Juntas, as nove companhias cujas sedes vêm sendo alvo de buscas ou que tiveram executivos presos detêm ao menos R$ 70 bilhões em contratos da Petrobras e do governo, como usinas na Amazônia.
Chinesas costumam trazer mão de obra
No segmento de óleo e gás, os chineses saem na frente de possíveis concorrentes americanos ou europeus. Além de trabalharem com taxa de retorno mais baixa e recurso de sobra, os asiáticos estão consolidados no setor - duas grandes estatais chinesas atuam no país. A China National Petroleum Corporation e China National Offshore Oil Corporation são sócias em 12 blocos no setor de petróleo.
- Os chineses estão preparados e, já há algum tempo, miram negócios na América Latina - afirma Rodolpho Salomão, presidente da Associação Nacional dos Analistas e Especialistas em Infraestrutura.
Em grandes obras, haveria entraves, e a vinda de companhias do Exterior dependeria de movimento do governo brasileiro, afirmam analistas. Sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires cita as contrapartidas que os chineses costumam impor, como trabalhadores de lá e compras de máquinas da China, como possíveis obstáculos:
- O Planalto teria que abrir mão de valores defendidos com afinco.
A regulação ambiental é outro ponto. A legislação brasileira, mais rigorosa que a chinesa, seria um desafio para os asiáticos. Nesse ponto, os americanos levam vantagem. Reclamam da regulação em excesso, mas conhecem os caminhos.