Cento e vinte e sete horas se passaram entre uma rocha agarrar o braço de Aron Ralston e o alpinista norte-americano à beira da morte receber socorro em um cânion de Utah, nos Estados Unidos.
Emblemático pela demonstração de ânsia de sobreviver - Aron teve de amputar o braço com um estilete -, o caso virou filme hollywoodiano e chamou a atenção para os riscos enfrentados pelos aventureiros do canionismo. Era o mesmo esporte praticado pelo grupo de sete pessoas atacado por abelhas no último fim de semana em Maquiné.
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A combinação de arranha-céus rochosos, vegetação densa e cascatas faz do interior do município litorâneo uma região propícia para a prática do esporte - porém, pouco explorada, segundo o presidente do Grupo Brasileiro de Canionismo, Luiz Lo Sardo. Ele esteve em Maquiné em 2010, mas, ao vivenciar um dos acidentes mais conhecidos no Estado, nunca mais voltou. Em fevereiro daquele ano, uma rocha rolou sobre um empresário de São Miguel do Oeste (SC) durante uma incursão em um cânion. Com hemorragia e fratura na bacia, Juliano Romancini, hoje com 43 anos, esperou 18 horas até que o resgate chegasse para socorrê-lo. A história não ganhou roteiro de cinema, mas foi reconstituída em documentário do canal Discovery Channel.
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Grupo de rapel havia sofrido incidente na mesma cascata em 2010
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- Não é um esporte perigoso, desde que você pratique dentro da técnica apropriada. Fatalidades em qualquer esporte acontecem - resume Romancini que, três anos após o acidente, voltou a praticar a modalidade.
A incursão em ambientes inóspitos faz do canionismo um esporte metódico: não há brechas para falhas. Existe uma série de procedimentos de segurança a serem adotados antes de uma expedição.
O primeiro deles é o mapeamento do local a ser desbravado, com a identificação da altura de cachoeiras, de locais de natação e de pontos de saída. Na sequência, os equipamentos individuais e coletivos precisam ser checados pela equipe. Entre eles, são indispensáveis itens como cadeira suspensa, freio, capacete, roupa de neoprene, itens de primeiros socorros, kit de perfuração e cordas.
- A orientação geral é de que se leve pelo menos três vezes o tamanho de cordas da maior cachoeira - explica o praticante Guilherme Rocha, do grupo Bandeirantes da Serra, de Santa Maria.
Entre atletas da modalidade, é conhecido o risco de insetos, principalmente abelhas e vespas, nos trajetos. Por isso, antialérgicos integram a bagagem dos aventureiros. E o conselho é que o esporte nunca seja praticado por um grupo inferior a quatro pessoas - para que, em casos de acidente, uma acompanhe a vítima e as demais saíam em busca de socorro.
- Em qualquer caso de acidente, você tem de manter a calma. Acho que foi o que faltou para eles (vítimas do acidente deste fim de semana), porque não parece que foi falta de técnica - aponta Lo Sardo.
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O canionismo
Os praticantes de canionismo seguem um curso de água atravessando os obstáculos naturais como cascatas, paredões de rocha e vegetação. Quanto maior o desnível do terreno, melhor para os esportistas, que utilizam a técnica do rapel em alguns momentos. A travessia é feita com roupa similar à de surfistas, capacetes, cordas e outros equipamentos de proteção individual.
Segundo o presidente do Grupo Brasileiro de Canionismo, Luiz Lo Sardo, a incursão da equipe Schuster Adventures - que se acidentou no último fim de semana em Maquiné - pode se enquadrar como cachoeirismo se o grupo se propôs a descer apenas uma cascata. Para se configurar como canionismo, todas as quedas d'água do cânion precisariam ser vencidas. Zero Hora tentou contato com os sobreviventes nesta segunda-feira, mas eles decidiram não se pronunciar mais sobre o acidente.
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O acidente
O acidente aconteceu quando o grupo descia uma cascata de 130 metros de altura e as abelhas atacaram, por volta das 15h deste sábado. Na tentativa de fugir do enxame, um deles teria cortado a corda do equipamento e o outro fez uma descida brusca e não acionou os freios. Os demais conseguiram descer, mas também ficaram feridos. Morreram Jean Carlos Machado Lopes, 41 anos, e Ronei Marcelino Pinto, 48.
Dentre os cinco sobreviventes, Maicon Silva da Silva, 31 anos, e Luciano de Souza caminharam por 15 horas no mato para pedir resgate. Os outros três sobreviventes, identificados como Flavio Rodrigo da Rosa Lopes, 37 anos, João Batista Moreira Dias, 42, e Roberto Schuster, médico de 73 anos que liderava o grupo, ficaram no local aguardando o resgate, que chegou por volta do meio-dia de domingo. Até as 6h30min desta segunda apenas Schuster permanecia internado no Hospital de Tramandaí.
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