Uma série de ataques cometidos pela organização Boko Haram nas últimas duas semanas deixou milhares de mortos nos entornos da cidade de Baga, no noroeste da Nigéria. O número não é oficial nem preciso, já que o acesso de organizações internacionais, governamentais ou de jornalismo é muito restrito na região - mas a Anistia Internacional chama o ataque de "o mais mortal da história do Boko Haram".
O que é o Boko Haram?
O nome desse grupo extremista islâmico significa, na língua local, "educação não islâmica é pecado". Não é possível saber o número de membros da organização, mas sabe-se que eles praticam o terror através de barbáries envolvendo assassinatos indiscriminados, sequestros e estupros. Em 2014, calcula-se que o grupo tenha matado cerca de 3,5 mil pessoas. Em toda sua história, teriam sido mais de 10 mil.
- Estamos falando de uma disputa de poder político dentro da Nigéria. Existe um grupo que usa o discurso islâmico radical, que é o Boko Haram, e o poder constituído de Estado. É importante que se destaque que é uma disputa fundamentalmente política. E o Boko Haram ganha força propagando o medo, através de regras extremamente agressivas, opressoras, constrangedoras, através dessa perspectiva fundamentalista - explica Analúcia Danilevicz Pereira, professora de Relações Internacionais e pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos Africanos da UFRGS.
Novos sequestros reafirmam o perigo do grupo Boko Haram
Menina-bomba mata 20 em atentado na Nigéria
"Para as reféns na Nigéria, a solidariedade internacional é a única esperança"
Confira outros textos da série ZH Explica
E quais foram as ações que resultaram nas últimas mortes?
As informações sobre essa região da Nigéria são esparsas, desencontradas e confusas. Sabe-se, porém, que um ataque fracassado do grupo à cidade de Kolofata, no nordeste de Camarões, nesta segunda, resultou na morte de 143 "terroristas do Boko Haram", segundo o porta-voz daquele país, além de um militar camaronense também morto. No domingo, duas meninas-bomba, entre elas uma de 15 anos, mataram quatro pessoas em um atentado em um mercado na região nordeste da Nigéria. No sábado, um ataque feito por uma menina-bomba de apenas 10 anos causou a morte de pelo menos 26 pessoas em outro mercado no nordeste do país. Também no sábado, um ataque de carro-bomba deixou duas pessoas mortas em uma delegacia na mesma região. Na semana anterior, ataques do grupo haviam destruído pelo menos 16 povoados na região de Baga - não foi divulgado qualquer número oficial de mortos. No dia 3 de janeiro, o grupo havia atacado uma base militar e diversos povoados na mesma área, também com um número incalculável de mortos e feridos. Na noite de Ano-Novo, 40 crianças foram sequestradas pelo grupo no Estado de Borno.
Alguns calculam que tudo isso resultou em dezenas de mortos, como o jornal americano The New York Times. Outros falam em centenas, como o britânico The Guardian. Autoridades locais trabalham com um número que pode chegar a 2 mil.
Colunista de ZH comenta: 17 vidas na França valem mais do que 2 mil na Nigéria?
Como a Nigéria lida com esse problema? E o resto do mundo?
Por ser um Estado jovem - independente há apenas 55 anos - a Nigéria tem instituições frágeis. Entre elas, as de força militar. É a avaliação da professora Analúcia Pereira.
- O principal alvo do Boko Haram é esvaziar a capacidade de reação do governo nigeriano. E estamos falando de um Estado ainda frágil, é difícil ter um nível de estabilidade que garanta possibilidade de reagir a tudo isso. Mas o governo parece tentar reagir e garantir seus espaços de controle, seja através de forças militares e policiais ou de articulação em fóruns africanos, na União Europeia e em grupos integrados da África, no sentido de se fortalecer e combater o Boko Haram.
O que o Boko Haram quer?
A resposta para essa pergunta ainda não é clara. Analúcia explica que a Nigéria é uma região preciosa para países que baseiam sua economia na produção e exportação de petróleo - como é o caso da Arábia Saudita, país que, não à toa, é acusado de apoiar e dar suporte ao Boko Haram. Para a professora, é claro que a principal motivação do grupo extremista é fragilizar o atual governo nigeriano:
- Como eles se armam? Quem os financia? Essas perguntas precisam ser respondidas para que a gente possa entender qual é o grande projeto do Boko Haram. Isso ainda não tem resposta, é tudo especulação. Há interesses de magnatas do Golfo Pérsico em fomentar e armar grupos extremistas para tentar definir uma nova correlação de forças. É importante também lembrar que a Nigéria é produtora e exportadora de petróleo e tem uma posição geoestratégica fundamental no Golfo da Guiné.
Segundo o Wall Street Journal, os assassinos do grupo intimidavam moradores da região atacada a não votar na próxima eleição presidencial da Nigéria. Por seu extremismo, o grupo condena qualquer tipo de democracia. A eleição nigeriana está prevista para o dia 14 de fevereiro.