Na Rua Augusta, uma das mais famosas de São Paulo, falta água. Mas também sobra. O líquido, ausente das torneiras por horas, escorre abundante pela sarjeta dia e noite, proveniente de um poço natural encontrado em escavações para uma obra. Como não é canalizado ou tratado, acaba despejado no meio-fio. A crise hídrica, porém, vem estimulando um número crescente de moradores e trabalhadores a recolher a água em baldes e garrafas para utilizá-la em atividades como limpeza.
Zelador de um prédio da região, o cearense José Senna, 50 anos, disse que só foi conhecer falta de água na maior cidade do país. Em seu Estado natal, no Nordeste famoso pela aridez, ele sempre teve as torneiras abastecidas. Certa vez, teve a ideia de juntar um balde e recolher o líquido da rua para lavar a calçada quase todos os dias e, aos sábados, o saguão de entrada do edifício.
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- Fui o primeiro. Deu uma pena de ver essa água tão clarinha sendo desperdiçada. Mas hoje já tem uma porção de gente usando a água do meio-fio - conta Senna.
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Sócia-proprietária de um pub nas proximidades, Fátima Yates lamenta não poder usar a água em seu negócio. Ela já foi obrigada a fechar as portas mais cedo porque não havia como higienizar os banheiros:
- Compramos mais três reservatórios de 300 litros, além de um de 3 mil litros que já tínhamos, mas se a crise se agravar, não serão suficientes.
A escassez fez explodir o mercado de água potável em São Paulo. Um dos reflexos é a circulação ininterrupta de caminhões-pipa, que se transformaram em salvação para condomínios, hotéis e residências com grande reservatórios.
Motorista de um dos veículos, Marcial Souza Santos, 49 anos, passa o dia de um lado a outro da cidade, mas não dispõe do líquido em casa, pois não há caixa dágua. Com a correria diária, chega do trabalho sempre depois das 22h, e as torneiras já estão secas:
- O jeito é tomar banho no trabalho. Gostaria de levar uns galões do serviço, mas não tenho como carregar no ônibus - disse na tarde de sexta-feira, quando entregou 10 mil litros ao condomínio Parque Mandaqui, na zona norte paulista.
Com a crise, Santos já fez até oito viagens em um dia - o normal eram três ou quatro.
A empresa onde ele trabalha, a Fonte Mirante, também investiu: aumentou de oito para 12 o número de veículos.