Em meio a tantas dúvidas sobre a necessidade da ampliação da pista do Salgado Filho, o ministro da Secretaria da Aviação Civil, Eliseu Padilha, manifesta uma certeza: o Estado não teria mercadorias suficientes para exportar por avião e, portanto, justificar a obra. De acordo com dados de outro ministério - do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior -, a premissa não bate com a realidade: nos últimos cinco anos, mais de 90% da exportação gaúcha despachada via aérea foi obrigada a decolar por outros terminais. A estrutura restrita não permite a decolagem de jatos abarrotados de cargas.
Para chegar a São Paulo, a mercadoria enfrenta horas de viagem e mais de mil quilômetros em estradas esburacadas. Além de possíveis danos nos produtos, a demora para a entrega ao cliente contribui para a perda de competitividade.
- Ser competitivo envolve vários aspectos. O preço é um, e tempo de entrega é outro. Quando falamos em commodities, isso ainda é administrável, mas quando falamos em tecnologia de ponta, não. Não dá para sair vendendo chip de caminhão estrada afora - afirma Carlos Roberto Menchik, responsável pela gestão de cadeias de suprimentos da consultoria em logística Prolog.
Demanda existe há mais de 10 anos, dizem empresários
A justificativa de Padilha doeu nos ouvidos de consultores e empresários locais. Eles afirmam que, com a pista ampliada, produtos gaúchos chegariam a clientes mais distantes sem precisar de escala em São Paulo.
- Apoiamos a construção de um novo aeroporto na Região Metropolitana, mas a ampliação do Salgado Filho é necessidade imediata. Se ao menos parte do que sai por Guarulhos ou Viracopos pudesse sair daqui já ajudaria - afirma Heitor Müller, presidente da Federação das Indústrias do Estado.
Consultores em logística concordam que há carga suficiente para lotar aviões de maior porte.
- Não estamos falando de potencial de exportação, mas de necessidade. A demanda existe há mais de 10 anos - afirma Paulo Menzel, presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura.
Conforme estimativa da entidade, o Estado perde US$ 3,3 bilhões por ano em cargas aéreas por causa do tamanho restrito da pista do Salgado Filho para operação de aviões de grande porte.
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Moradores de área desapropriada comemoram retomada do projeto
Foi com alívio que as famílias da Vila Floresta receberam a notícia de que o projeto de prolongamento da pista do aeroporto Salgado Filho será retomado. Moradores que ainda esperam para ser realocados em outras regiões da Capital temiam que, com o abandono da ampliação, fossem esquecidos pela Infraero, administradora do aeroporto.
Com a desapropriação pela metade, parte da vila está sob escombros. Conforme os inquilinos foram recebendo as indenizações e deixando as residências, a estatal colocava abaixo as moradias para evitar invasão de sem-teto. Quem permaneceu à espera da transferência para novas casas convive com terrenos tomados pelo matagal.
- Ainda restam 42 famílias aqui. A Infraero nos avisou que seremos transferidos até março. Estou ansiosa porque, com a expectativa de mudança, minha casa não passa por reparo há anos. Uma parte está coberta por lona e não temos como arrumar - conta Veridiana Meireles Giró, da comissão de moradores da vila.
Os moradores receberão casas no Residencial Camaquã, no bairro Teresópolis, na Capital. A estatal ainda precisará resolver outra questão: moradores que já receberam a indenização, mas ainda não saíram das residências. Pelos menos duas famílias se encontram nessa situação. Em uma das moradias, a proprietária é uma senhora de 90 anos que reside no mesmo local há mais de seis décadas.
Conforme a prefeitura de Porto Alegre, as obras de ampliação da pista em 920 metros poderiam começar imediatamente e a presença de 1,8 mil famílias no entorno do aeroporto não seria um problema para o início dos trabalhos.
Além dos moradores da Vila Floresta, localizada em terreno ao lado da pista, residentes da Vila Nazaré serão transferidos. De acordo com dados do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), 1.223 famílias deverão ser reassentadas em dois loteamentos na Capital, somando quase 1,7 mil unidades habitacionais. A expectativa é que as transferências ocorram entre o fim deste ano e 2016.
Movimento de carga vai exigir cuidado
Ampliar a pista é apenas um dos desafios para ampliar a movimentação de cargas no aeroporto Salgado Filho. É preciso também facilitar o acesso de caminhões vindos de outras regiões do Estado. Parte da produção, principalmente da Serra e do Vale do Sinos, que hoje segue para o centro do país sem passar pela Capital, deve ser direcionada para Porto Alegre, onde será despachada de avião.
Para chegar até o terminal, os motoristas precisam atualmente percorrer a Avenida dos Estados. Não há alternativa viária. O possível aumento no tráfego de cargas no entorno do aeroporto preocupa especialistas, que alertam para o risco de congestionamentos e atrasos.
- É o grande problema do projeto de ampliação. Foca muito dentro do aeroporto e esquece da parte de fora. Ampliar a pista e o terminal de cargas significa aumentar também o tráfego de veículos pesados em uma avenida que já está saturada. Um acidente com uma carreta ali e ninguém mais chega ao aeroporto - afirma Miguel Asteggiano, consultor da Matral Inteligência Logística, que é favorável ao investimento em um novo terminal na Região Metropolitana.
Acesso não é o melhor, mas não exigiria novas obras
O projeto do aeroporto 20 de Setembro, que deverá ser construído no município de Portão, prevê acesso ao terminal por quatro rodovias: RS-240, BR-116, BR-386 e BR-448.
Afrânio Rogério Kieling, presidente do Sindicato de Empresas de Transporte e Logística (Setcergs), admite que existem deficiências no acesso ao Salgado Filho e que o projeto de um novo aeroporto de grande porte é bem-vindo, mas ressalta que a ampliação da pista de Porto Alegre deve ser tratada como prioridade.
- Não temos o melhor acesso ao terminal, mas é satisfatório. Não vejo necessidade imediata de obras. Talvez em 10 anos, mas não agora - afirma.
Caso a pista venha a ser de fato ampliada, os motoristas que circularem no entorno do Salgado Filho não verão grandes contêineres na estrada. Em geral, o material exportado por avião é mais compacto do que o embarcado em navios, por exemplo. Os produtos têm menor tamanho e maior valor. Com a previsão de novo terminal de cargas até 2016, com 18 mil metros quadrados, armazéns para estocagem não precisariam ser construídos. O projeto também prevê a construção de um pátio para o terminal de cargas.
O Comitê em Defesa do Aeroporto Salgado Filho enviou na segunda um ofício à Infraero com pedido de informações sobre a data exata, no início de fevereiro, em que seria decidido o destino do terminal atual.