Quase metade de toda a riqueza produzida no Rio Grande do Sul é gerada em apenas 10 dos 497 municípios. No entanto, as melhores condições de vida para a população não estão nessas cidades. É o que mostra o cruzamento do Produto Interno Bruto (PIB) com o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), que avalia três dimensões: renda, saúde e educação. Os dois indicadores, referentes a 2012, foram divulgados em dezembro pela Fundação de Economia e Estatística (FEE).
Como a dimensão renda leva em conta o PIB, algumas cidades até conseguem se posicionar bem no ranking do Idese, como é o caso da Capital, que ocupa a 20ª posição, impulsionada por ter a terceira maior renda, mas vai para o fim da fila em educação (112ª) e saúde (316ª). A maioria dos municípios mais prósperos tem desempenho tão fraco nas dimensões sociais que nem a alta renda consegue elevar o patamar de desenvolvimento.
Triunfo, por exemplo, sétimo município com maior participação no PIB total do Estado e dono, com folga, do mais alto PIB per capita, ocupa a 443ª posição em saúde. No caminho inverso, nove das 10 mais bem posicionadas no Idese figuram entre os 50 maiores PIB per capita - cinco estão entre os 10 primeiros.
A comparação explicita um paradoxo do desenvolvimento econômico: dinheiro no caixa das prefeituras, que arrecadam mais impostos onde se gera mais riqueza, não é suficiente para garantir mais qualidade de vida à população. Por outro lado, com baixa arrecadação, fica difícil investir em saúde e educação.
- Gerar riqueza não basta para se considerar uma localidade desenvolvida - diz Thomas Kang, economista da FEE e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing.
Assim, a gestão dos recursos é determinante, e o caso de Triunfo novamente é lembrado. Com um dos maiores Índices de Participação dos Municípios (IPM) - percentual que determina o repasse de ICMS às cidades -, a sede do polo petroquímico tem um dos piores índices de gestão fiscal do Rio Grande do Sul, conforme o Sistema Firjan. Com base na declaração obrigatória disponibilizada anualmente pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), é avaliado como os tributos pagos pela sociedade são administrados pelas prefeituras. Triunfo foi a 424ª no ranking estadual de gestão fiscal em 2012.
Prefeito enumera ações em Triunfo
O indicador é reforçado pelo fato de o Tribunal de Contas do Estado (TCE) ter reprovado os gastos da prefeitura de Triunfo 22 vezes nos últimos 24 anos. As principais falhas foram pagamento irregular de diárias, número excessivo de cargos em comissão, desvios de função e despesas irregulares em contratos.
O prefeito de Triunfo, Mauro Fornari Poeta (PMDB), assumiu o cargo em maio de 2013, após uma segunda eleição - a primeira foi anulada por irregularidades na campanha. Poeta atribui o mau desempenho em saúde e educação a um histórico de falta de investimento nessas áreas, somado ao inchaço na folha de pagamento da prefeitura, que consome metade da arrecadação do município, segundo o prefeito.
- Estamos reduzindo CCs, horas extras e diárias para recuperar a capacidade de investimento, mas isso se refletirá nos índices somente a longo prazo, porque esses problemas são estruturais - afirma.
O desafio dos grandes municípios
Grandes não só na importância econômica, mas também no tamanho de sua população, as cidades com maior participação no PIB total do Rio Grande do Sul enfrentam mais dificuldades para garantir saúde de qualidade do que resultados satisfatórios na área de educação. Rio Grande ocupa a 484ª posição em saúde, Pelotas a 482ª, Canoas a 458ª e Novo Hamburgo a 427ª. Todas estão entre as mais populosas do Estado.
- Não há dúvida de que o estoque logístico para garantir saúde de qualidade é bem maior, porque exige um grande contingente, diversidade de especialidades e estruturas de alta complexidade - compara o economista e professor da PUCRS Alfredo Meneghetti Neto.
Para ele, a comparação dos indicadores revela um problema de gestão pública: o investimento em áreas básicas, como saúde e educação, não seria coerente com a arrecadação porque outros setores são priorizados, como infraestrutura, por exemplo.
A dimensão saúde do Idese leva em conta dados sobre mortalidade infantil, taxa de mortalidade por causas evitáveis, proporção de óbitos por causas mal definidas e taxa bruta de mortalidade. No quesito educação, pesa taxa de matrícula na pré-escola e no Ensino Médio, nota na Prova Brasil do 5º e do 9º ano do Ensino Fundamental e percentual da população adulta com, pelo menos, o Ensino Fundamental completo.
O tamanho das cidades parece determinante para o pesquisador da UFRGS Luis Roque Klering, já que os melhores em indicadores sociais são geralmente pequenos municípios:
- Focando os 10 municípios melhor colocados nos rankings de educação, saúde e renda, excluindo os casos anormais, pode-se questionar qual seria o melhor porte populacional para ser um município bem-sucedido.
PIB por pessoa alto não quer dizer maior renda individual
Duas cidades na divisa com Santa Catarina e economia local impulsionada por usinas hidrelétricas apresentam patamares idênticos no que se refere ao PIB per capita, mas realidades completamente opostas em indicadores sociais.
Pinhal da Serra tem o segundo maior PIB per capita e vai mal em todos os blocos do Idese, inclusive renda. Não muito distante geograficamente, Aratiba apresenta uma relação mais equilibrada entre geração de riqueza e condições de vida. Com cerca de 6 mil habitantes, a cidade beneficiada pela hidrelétrica de Itá ocupa o terceiro lugar em PIB per capita e o mesmo posto no Idese, sendo líder no bloco renda.
- Não existe causalidade entre PIB e indicadores sociais porque esses índices dependem muito de fatores históricos e culturais que acabam se consolidando em políticas públicas. Onde a mão de obra é migrante, o impacto do PIB na população residente também é mais limitado - observa Fernando Ferrari Filho, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
No caso de Pinhal da Serra, que tem alto índice de geração de renda (PIB per capita), a apropriação (riqueza que permanece no município) alcançou patamar muito baixo no Idese: 0,2, numa escala de zero a um.
Ou seja, a prosperidade local beneficia residentes de outros municípios. Pinhal da Serra tem pouco mais de 2 mil habitantes e a usina hidrelétrica de Barra Grande gera quase 5 mil empregos diretos e indiretos.
O coordenador do Núcleo de Estudos e Tecnologias em Gestão Pública na Escola de Administração da UFRGS, Luis Roque Klering, que pesquisa há décadas os patamares de desenvolvimento dos municípios gaúchos, aponta ainda uma razão cultural para o desempenho de Pinhal da Serra:
- Historicamente, o foco esteve na pecuária, e o peão não está contemplado nos investimentos em saúde e educação, associados a uma característica mais urbana.
Fator regional impacta nos resultados
Quatro dos cinco municípios mais bem posicionados tanto no PIB per capita quanto no Idese têm em comum o tamanho - menos de 10 mil habitantes, sendo que três deles não chegam aos 5 mil moradores - e a localização em regiões de alto nível de desenvolvimento. Esses seriam os principais diferenciais de Nova Araçá e Nova Bassano, que ficam na Serra, região mais desenvolvida do Estado, assim como Westfalia, no Vale do Taquari, a segunda região com melhores condições de vida, e Vila Maria, na região da Produção, quarta no ranking de desenvolvimento regional.
Líder no Idese há três anos, Carlos Barbosa é um exemplo. A cidade serrana de 25 mil habitantes tem como principal atividade econômica a indústria metalúrgica e se beneficia da proximidade com grandes centros - está ao lado de Caxias do Sul e Bento Gonçalves, tem ainda Lajeado a 80 quilômetros e fica a cem quilômetros da Capital -, o que propicia mais acesso à qualificação e serviços em geral.
O prefeito Fernando Xavier da Silva (PDT) orgulha-se de o município não ser alvo de ações judiciais para garantir vaga em creche, além de manter um quadro funcional que considera enxuto, com 563 servidores. Contudo, ressalta um traço cultural entre os segredos para o bom desempenho da cidade:
- O poder público se esforça para fazer a parte dele, mas o entusiasmo coletivo da nossa comunidade é fundamental. Uma sociedade com baixa autoestima não tem como evoluir.
Pesquisador da UFRGS, Luis Roque Klering concorda que resultados positivos apresentados por municípios menores e mais "jovens" - Carlos Barbosa tem 55 anos de fundação - parecem refletir a vontade e o esforço que comunidades realizam visando conquistar desenvolvimento e melhor qualidade de vida.