Para avançar nas investigações das causas da morte do ex-presidente João Goulart, o Ministério Público Federal (MPF) quer ouvir o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger, titular do cargo entre 1973 e 1977.
Além do diplomata, apontado como um dos mentores da política de tensão com o bloco soviético durante a Guerra Fria, a procuradora da República Suzete Bragagnolo solicitou os depoimentos de Harry Shlaudeman, secretário-adjunto de Estado na década de 1970, e dos antigos agentes da CIA Frederick Latrash e Michael Townley. Junto, foi requisitada uma série de documentos e relatórios de inteligência americanos que possam auxiliar na investigação.
Laudo não aponta sinais de envenenamento de Jango
Exumação do corpo de Jango ocorreu há um ano
Responsável pelo inquérito aberto para apurar a morte de Jango, a procuradora atendeu um pedido da família do ex-presidente. Ela formalizou a solicitação dos depoimentos e dos documentos no dia 21 de novembro, antes da divulgação do laudo final sobre as análises dos restos mortais do líder trabalhista.
O pedido de cooperação com os Estados Unidos foi encaminhado via diplomática, ou seja, os ministérios brasileiros da Justiça e das Relações Exteriores tratam do envio da demanda às autoridades americanas.
- Por ser um pedido feito via diplomática, não há garantia de cooperação dos Estados Unidos, vai exigir uma negociação entre os países. Tudo depende da boa vontade - explica Bragagnolo.
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Como a exumação pode esclarecer a morte do ex-presidente
Das quatro nomes citados, Henry Kissinger, que está com 91 anos, é o mais famoso. Conselheiro de segurança presidencial entre 1969 e 1975, ocupou o cargo de Secretário de Estado de 1973 a 1977, durante as administrações de Richard Nixon e Gerald Ford. Prêmio Nobel da Paz e figura marcante da Guerra Fria, incentivou a política de sustentação aos regimes de direita e de derrubada de governos de esquerda na América Latina.
Michael Townley, ex-agente de inteligência dos Estados Unidos e do Chile envolvido em assassinatos políticos, oferece entraves para o depoimento, já que ele participa de um programa de proteção a testemunhas nos Estados Unidos. A procuradora Suzete Bragagnolo acredita que, mesmo assim, é possível ouvi-lo.
Ao analisar o material levantado na investigação, Bragagnolo entendeu que os estrangeiros podem auxiliar com informações sobre uma possível conspiração para eliminar Jango, deposto pelo golpe militar de 1964. O quarteto estava na ativa à época da morte do ex-presidente, em dezembro de 1976 na Argentina, durante o exílio.
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Se os Estados Unidos atenderem as demandas, o material será somado a outros depoimentos, ao relatório da Comissão Nacional da Verdade e ao laudo da perícia nos restos mortais de Goulart. O MPF vai requisitar ao governo brasileiro o acesso ao documento completo sobre a exumação, com os resultados dos exames toxicológicos.
A perícia indicou que a causa da morte é compatível com ataque cardíaco, porém não foi capaz de confirmar o fato. As análises também não encontraram sinais de veneno ou de outras substâncias tóxicas no corpo do ex-presidente. Apesar do resultado, a procuradora defende a continuidade das investigações.
- O inquérito é longo, a exumação era uma etapa da investigação. Queremos esgotar os meios de prova - diz Bragagnolo.
Neto do ex-presidente e advogado do instituto batizado com o nome do avô, Christopher Goulart elogiou a decisão da procuradora, com quem pretende se encontrar nos próximos dias.
- É um passo importante, é preciso seguir em busca de informações que possam esclarecer o caso.
A vida de Jango
- João Goulart nasceu em março de 1919, em São Borja. Deputado e ministro do Trabalho no segundo governo de Getúlio Vargas, foi eleito vice-presidente de Juscelino Kubitschek (1955) e de Jânio Quadros (1960) - à época, a eleição de presidente e vice eram separadas.
- Em 1961, Jânio renunciou. A relação de Jango com a esquerda fez os militares rejeitarem sua posse. Sob a pressão da Campanha da Legalidade, Jango assumiu o cargo, mas em um regime parlamentarista. Em 1963, um plebiscito restaurou o presidencialismo.
- Deposto e exilado em 1964, Jango só retornou ao Brasil após sua morte na Argentina, em 1976. Cardíaco e apreciador de carne vermelha, teria morrido de problemas no coração, porém, o corpo não passou por autópsia. Documentos comprovaram que Jango era monitorado pela repressão no exílio, o que deu margem para a versão do envenenamento.
Veja imagens da movimentação em São Borja:
* Zero Hora