As Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) do principal hospital de pronto-socorro do Estado, o HPS, em Porto Alegre, estão sem ar-condicionado há pelo menos seis meses, segundo médicos e enfermeiros ouvidos nesta quarta-feira.
Zero Hora visitou a UTI de Traumatologia, no 4º andar, e verificou que os internados usavam até mesmo papelões e leques para espantar o calor na tarde mais quente de outubro deste ano.
Cansados de cobrar da direção do HPS, os profissionais de saúde deixam as janelas abertas durante todo o dia - o que pode expor ainda mais as pessoas, que já estão em estado grave. O médico intensivista Cristiano Franke afirma que o problema vem sendo alertado para os coordenadores do estabelecimento há meses, mas nenhuma providência foi tomada até agora. Ele salienta que há um aumento no risco de vida dos feridos:
- São pacientes com queimaduras, fraturas e diversos traumas, suscetíveis a várias coisas. As janelas abertas permitem a entrada de insetos que podem transmitir infecções entre eles. Não conseguimos usar os equipamentos de proteção por causa do calor excessivo.
Temperatura ultrapassou os 30ºC na UTI (Mauricio Tonetto / Agência RBS)
Uma norma da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina que as UTIs devem ser mantidas com sistema de climatização, e que está proibida a instalação de ventiladores para evitar o trânsito de "material particulado indesejável" por meio de correntes de ar.
- Os internados com febre, por exemplo, se desidratam, perdem muito líquido e ficam vulneráveis. Todos cansam e se estressam mais - relata a auxiliar de enfermagem Lúcia Fontana.
Secretário diz que médicos exageram ao citar risco à saúde
Surpreendido com a falta de ar-condicionado nas UTIs do HPS, o secretário de Saúde de Porto Alegre, Carlos Henrique Casartelli, diz ter assinado dois processos nesta quarta-feira liberando o conserto de ar-condicionados com defeito no hospital. Com 180 prédios para administrar na secretaria, ele argumenta que "não tem obrigação de saber qual ar está ou não funcionando".
Janelas têm de ser abertas para diminuir o calor (Mauricio Tonetto / Agência RBS)
Casartelli disse que se informaria com a administração do HPS há quanto tempo os equipamentos estão estragados e tomará providências caso se confirme o prazo de seis meses. Ele atribui a demora à burocracia e entende que os médicos e enfermeiros estão exagerando:
- Há desconforto principalmente para os profissionais que trabalham. Eles estão indignados e não tiro a razão. Agora, dizer que pessoas correm risco de vida por isso é um exagero. Já trabalhei em UTI sem ar, sei como é.
Para Simers, ambiente climatizado é necessidade básica
O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes, discorda de Casartelli e classifica como "condição primária" a manutenção de ambientes climatizados em "UTIs de hospitais de qualquer parte do mundo".
Em pessoas queimadas, argumenta, o monitoramento das condições de temperatura, hidratação e equilíbrio de substâncias no corpo tem de ser constante. Sem ar-condicionado, "isso fica fora do controle":
- Não tem mais cabimento imaginarmos uma UTI sem climatização, faz parte do tratamento. Com esse calor, a janela tem que ficar aberta, e isso expõe pacientes a riscos. Uma zona queimada, por exemplo, está sem pele, então qualquer bactéria pode cair ali e causar infecção. Está tudo errado.
Para Mendes, o HPS passa por uma "reforma que mais parece uma comédia de erros":
- Desde o início, a reforma do HPS é completamente atrapalhada, anárquica, desordenada, patética. Quando se faz uma reforma em hospital, tem que ser planejado, porque hospital não pode parar. Aqui, foi uma coisa absurda, que ninguém faria na reforma do banheiro de casa.
- Alguém com traumatismo craniano precisa ficar hipotérmico, ou seja, com a temperatura mais baixa do que a normal. Isso é requisito para a melhoria da condição neurológica. Então, a falta de ar em um hospital como o HPS é extremamente preocupante.
A assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Saúde afirma que a reforma nos aparelhos de ar condicionado nas UTIs já começou nesta quarta-feira, mas teve de ser interrompida por um problema no gás. A previsão, de acordo com o assessor do HPS, é que as obras sejam concluídas nesta quinta-feira.
Crédito: Mauricio Tonetto / Agência RBS
* Colaborou Gustavo Foster