O racismo no Brasil é "estrutural e institucionalizado" e "permeia todas as áreas da vida". A conclusão é da Organização das Nações Unidas (ONU), que publicou, nesta sexta-feira, seu informe sobre a situação da discriminação racial no País. No documento, os peritos concluem que o "mito da democracia racial" ainda existe na sociedade brasileira e que parte substancial dela ainda "nega a existência do racismo".
As constatações dos peritos da ONU, que visitaram o Brasil entre os dias 4 e 14 de dezembro de 2013, são claras: os negros no país são os que mais são assassinados, são os que têm menor escolaridade, menores salários, maior taxa de desemprego, menor acesso à saúde, são os que morrem mais cedo e têm a menor participação no Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, são os que mais lotam as prisões e os que menos ocupam postos nos governos.
Para a entidade, um dos maiores obstáculos para lidar com o problema é que "muitos acadêmicos nacionais e internacionais e atores ainda subscrevem ao mito da democracia racial". Para a ONU, isso é "frequentemente usado por políticos conservadores para descreditar ações afirmativas".
- O Brasil não pode mais ser chamado de uma democracia racial e alguns órgãos do Estado são caracterizados por um racismo institucional, nos quais as hierarquias raciais são culturalmente aceitas como normais - destacou a ONU.
Negação do problema dificulta o acesso à Justiça
Para a ONU, essa situação ainda afeta a capacidade da população negra em ter acesso à Justiça.
- A negação da sociedade da existência do racismo ainda continua sendo uma barreira à Justiça - declarou, apontando que mesmo nos casos que chegam aos tribunais, a condenação por atos racistas é dificultada "pelo mito da democracia racial".
Para chegar à conclusão, a ONU apresentou dados sobre a situação dos negros no país. Apesar de fazer parte de mais de 50% da população, os afro-brasileiros representam apenas 20% do PIB. O desemprego é 50% superior ao restante da sociedade, e a renda é metade da população branca.
A expectativa de vida para os afro-brasileiros seria de apenas 66 anos, contra mais de 72 anos para o restante da população. Mesmo no campo da cultura, a participação desse grupo é apenas "superficial", e as taxas de analfabetismo são duas vezes superiores ao restante da população.
A violência policial contra os negros também chama a atenção da ONU, que apela à polícia para que deixe de fazer seu perfil de suspeitos baseado em cor da pele. Em 2010, 76,6% dos homicídios no país envolveram afro-brasileiros.
- Uma das grandes preocupações é a violência da polícia contra jovens afro-brasileiros. A polícia é a responsável por manter a segurança pública. Mas o racismo institucional, discriminação e uma cultura da violência levam a práticas de um perfil racial, tortura, chantagem, extorsão e humilhação em especial contra afro-brasileiros - disse.
Apesar dos avanços, grupos políticos mostram resistência
Para a ONU, houve um avanço nos últimos anos no esforço do governo para lidar com o problema. Mas alerta que muitos dos organismos criados não contam com financiamento suficiente e nem recursos humanos para realizar seus trabalhos.
A ONU também denuncia a resistência de grupos políticos diante de projetos de leis que tentam lidar com a desigualdade racial. Os peritos declararam estar "preocupados que o progresso feito até agora corra o risco de sofrer uma regressão diante das ameaças de grupos de extrema-direita".
Mesmo dentro da estrutura do Estado, os afro-brasileiros são "sub-representados". Eles ocupam raramente uma posição de chefia e, em Salvador, a única secretaria municipal comandada por um negro é a da Ação Afirmativa. O município conta com doze secretarias.
A publicação do informe coincide com a volta do debate sobre o racismo no Brasil por causa da expulsão do Grêmio da Copa do Brasil por atos da torcida contra o goleiro do Santos, Aranha. Nesta semana, Pelé também causou polêmica ao minimizar o problema.
*Estadão Conteúdo