O confronto entre dois povos com histórico de sofrimento volta a mostrar que o Oriente Médio é uma terra onde todos têm razão e, até por isso, todos perdem a razão. O tensionamento do conflito entre Israel e palestinos, a partir do assassinato de três adolescentes israelenses em 12 de junho e da reação perpetrada pelo Estado judeu, provoca altercações de todo tipo e de todas as partes.
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Israelenses e palestinos falam na ligação milenar ao território onde vivem e se digladiam. Do lado israelense, registros bíblicos, corroborados por descobertas arqueológicas, conferem-lhes legitimidade para reivindicar o Estado judeu, reforçada pelo histórico de perseguições que sofreram desde a expulsão daquela região pelos romanos, no século I. Do lado palestino, a busca é por igualmente assegurar a conquista do seu Estado, em terras com as quais também mantêm ligações ancestrais e onde vivem em condições majoritariamente precárias.
Apegados a sua cultura e à fé monoteísta, judeus perseguidos rumaram para a chamada Terra Prometida, em especial após o Holocausto, na II Guerra Mundial. Os palestinos que viviam lá naquele momento tiveram de dividir espaço com levas de judeus conduzidos pelo sionismo, movimento de libertação nacional, que, em razão desse contexto, é definido por seus detratores como discriminador.
- O que me preocupa é que, hoje, nem do lado de Israel nem do lado dos palestinos parece haver interesse de negociar. Para o governo de Israel (uma aliança liderada pelo partido direitista Likud) e para o Hamas, a violência se tornou um instrumento de manutenção de poder. No meio disso tudo, há duas populações civis que sofrem. Quando há vontade política, as coisas se resolvem. Quando não há, a violência continua - diz Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). - Acordos feitos no passado mostram que é possível negociar.
Rejeição ao país e defesa militar
A Organização das Nações Unidas (ONU), criada poucos meses após o fim da II Guerra, definiu, em 1947, a divisão do território palestino entre árabes e judeus. As tropas britânicas, que ocupavam a região desde o final da I Guerra Mundial (1914-1918), retiraram-se em 1948. Os judeus aceitaram a partilha e fundaram Israel. Os árabes a rejeitaram. Foi então que Israel e os países vizinhos começaram a guerrear. Os árabes não aceitaram o novo Estado e trataram de atacá-lo. O governo israelense, de corte socialdemocrata, passou a investir pesado na defesa militarizada.
Israel venceu o confronto e ocupou áreas antes reservadas aos palestinos. Também ali se iniciou o êxodo. De um lado, algo como 700 mil palestinos tiveram de deixar suas casas. De outro, também cerca de 700 mil judeus tiveram de deixar suas residências em países como Iraque, Iêmen, Egito, Síria e Líbano. Os palestinos ficaram sem um destino específico, muitos deles em situação de fragilidade. Os judeus que fugiam dos países vizinhos foram acolhidos por Israel e não tiveram o mesmo problema.
- O retorno dos refugiados para os lares pré-48 descaracterizaria o Estado judeu. Israel foi criado como o lar nacional para o povo judeu. É um Estado de maioria étnica judaica. Isso teria de ser resolvido com a imigração desses refugiados para o Estado palestino. E haveria algum tipo de fórmula para compensar materialmente os refugiados pelas suas perdas. Também seria demandada compensação aos refugiados judeus que perderam propriedades nos países árabes - diz o cientista político Samuel Feldberg, especialista em Oriente Médio da Universidade de São Paulo (USP).
Oito anos depois da criação de Israel (episódio que os palestinos denominam como "dia da catástrofe"), o Egito declarou guerra a França, Grã-Bretanha e Israel. Motivo: queria assumir o controle do Canal de Suez, em mãos europeias desde sua construção. Foi aí que a União Soviética, o primeiro país a reconhecer Israel, aliou-se aos árabes. Em 1967, eclodiu a chamada Guerra dos Seis Dias. Israel novamente venceu e passou a ocupar e colonizar a Cisjordânia, as Colinas de Golã, a Faixa de Gaza, a Península do Sinai e o leste de Jerusalém. Os palestinos tinham cada vez menos território. A Organização para a Libertação da Palestina (OLP) incrementou seus ataques ao Estado judeu, que rejeitou, falando em jogá-lo ao mar. Israel revidava militarmente com intensidade e se expandiu além dos limites originariamente traçados, alegando necessidade de defesa, enquanto os palestinos o acusavam de imperialismo.
Mapa pré-1967, a rota para a paz
As negociações de paz que buscam estabelecer dois Estados, basicamente, retroagem ao mapa anterior a 1967. O Estado Palestino teria Gaza, o leste de Jerusalém (já hoje basicamente árabe) e a Cisjordânia. Um dos entraves é o de que o atual governo israelense, coalizão de direita, tem se expandido na Cisjordânia, incrementando as colônias ali existentes, em vez de refluir, como toda a comunidade internacional pede.
Desde os anos 1980, sucederam-se as "intifadas" - revoltas palestinas. As respostas israelenses costumam ocorrer de forma intensa. Palestinos, em especial do grupo islâmico Hamas, atiram mísseis contra território israelense, e Israel bombardeia a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. Com tecnologia de ponta, o Estado judeu criou um sistema antimísseis que reduz radicalmente a possibilidade de haver mortos nesses ataques. Os palestinos não contam com o mesmo sistema de proteção. Ataques israelenses, que o governo alega se dirigirem a alvos estratégicos do inimigo, já vitimaram centenas de civis.
Morte de Rabin leva a retrocesso
Em 1992, a esperança da paz se acendeu com a eleição, como primeiro-ministro, do trabalhista Itzhak Rabin, um homem de diálogo, afeito à paz e à criação do Estado palestino. O líder da OLP, Yasser Arafat, em meio a dissidências internas, aderiu ao espírito de distensão. Resultado: em 1993, o acordo de Oslo, inspirado nas fronteiras anteriores a 1967. Ali, porém, ficou claro que a resistência dos dois lados impede o avanço nas tratativas. Em novembro de 1995, durante um comício pela paz na Praça dos Reis, em Tel-Aviv, um judeu ortodoxo, de direita, assassinou Rabin. Em 1999, nova tentativa: o premier trabalhista Ehud Barack reabriu negociações. Em 2000, porém, Ariel Sharon, do Likud (direita) fez um passeio pela Esplanada das Mesquitas em Jerusalém. Os palestinos viram o gesto como uma provocação. Nova intifada começou.
- Desde o assassinato do Rabin, a questão da paz entrou numa espiral de crises que parece sem solução. A recente é só mais uma crise - diz Cristina Pecequilo.
A violência se impôs como rotina. A direita israelense tomou conta do poder, com o apelo da segurança. O Hamas, que rejeita a existência do Estado de Israel, tornou-se governo na Faixa de Gaza. E a região se consolidou como está. Com pouca esperança de êxito, o governo de Barack Obama tenta aproximar as partes e abrir caminho para dois Estados viverem harmonicamente e em segurança.
O contexto não é animador. A atual crise ocorre pouco após ter sido criada uma aliança entre o Fatah (partido ligado à OLP) e o Hamas, em 23 de abril. O governo de Israel criticou a aproximação. Definiu o Hamas como grupo que não aceita a existência do Estado judeu, rejeitando qualquer possibilidade de relacionamento.
- Quando o Hamas apresenta qualquer possibilidade de moderação, quando a Autoridade Nacional Palestina (ANP) assina acordo com o Hamas, o que pode levá-lo a negociar com Israel, Israel ataca. O governo atual de Israel não quer negociação com os palestinos. O Hamas estava dando sinais de moderação - queixa-se o analista palestino Abdel Latif, médico que vive no Brasil há 20 anos.
Negociar ou não com o inimigo
Depois, Latif define como "esquizofrênico" o comportamento do governo israelense:
- Quando Cisjordânia e Gaza estavam separadas, o governo de Israel não queria negociar porque a ANP não representaria Gaza. Quando o Fatah e o Hamas assinaram um acordo, os israelenses não negociaram porque a ANP fez acordo com o Hamas.
Feldberg pondera:
- Você só pode fazer a paz com quem aceita sua existência e se propõe a deixar de ser seu inimigo. Como negociar com alguém que quer destruí-lo?
A crise atual
Em 12 de junho, três adolescentes israelenses que estavam na Cisjordânia foram mortos. O premier Binyamin Netanyahu acusou o grupo palestino Hamas de os terem sequestrado e matado. O grupo negou as acusações.
Nas operações de busca pelos jovens, soldados israelenses matarams cinco palestinos e detiveram membros do Hamas. O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, exigiu explicações de Netanyahu.
Em 30 de junho, os corpos dos três jovens foram encontrados no sul da Cisjordânia. Autoridades israelenses atribuíram as mortes ao Hamas. No mesmo dia, pelo menos 14 foguetes e morteiros foram lançados contra o sul de Israel a partir de Gaza.
Dois dias após a localização dos corpos dos três jovens israelenses, um adolescente palestino foi sequestrado e queimado em Jerusalém em uma aparente retaliação pelo assassinato dos israelenses. Revolta palestina.
Netanyahu usou a situação na Faixa de Gaza para defender sua política na Cisjordânia. Disse que o Oriente Médio está cercado pelo extremismo islâmico, referindo-se à ofensiva do Estado Islâmico (EI) no Iraque, e argumentou que Israel precisa se defender.
No dia 7, Israel realizou dezenas de ataques aéreos a Gaza em resposta a um bombardeio com foguetes lançados da região. Pelo menos 17 palestinos morreram. Os ataques marcaram o início do confronto.
No dia 10, o Conselho de Segurança das Nações Unidas fez reunião de emergência sobre a crise. O encontro foi marcado a pedido de enviados árabes à região.
Seguem-se ataques aéreos israelenses, que deixaram mais de 250 palestinos mortos até sexta-feira. Israel diz querer neutralizar o poder de fogo do Hamas, que continuava a lançar foguetes em direção ao Estado judeu, que, por sua vez, detinha o bombardeio e evitava mortes em suas cidades em razão do seu escudo antimísseis.
Aviação israelense lançou panfletos em Gaza pedindo aos habitantes que deixassem as casas. Muitos fugiram.
Na quinta-feira, Israel invadiu Gaza por terra, argumentando que precisava destruir túneis utilizados pelo Hamas para a passagem de combatentes e o disparo de foguetes.