Depois de apagar o carro diversas vezes, sofrer acidentes e andar em ziguezague, dois especialistas dão o veredito sobre os simuladores de direção: estão aprovados. Felipe Brum de Brito Sousa, professor da disciplina de trânsito da Faculdade de Engenharia da Unisinos, e João Pierotto, consultor técnico de empresas de transporte e palestrante de segurança no trânsito, testaram o simulador a convite de ZH. A utilização do aparelho é facultativa - a decisão fica a critério de cada Estado. No Rio Grande do Sul, tornou-se obrigatória para a habilitação de motoristas. São Paulo também manterá o uso.
Durante o teste, realizado em um Centro de Formação de Condutores (CFC) da zona norte de Porto Alegre, Sousa e Pierotto observaram que, apesar de haver distorções entre o virtual e a prática, o simulador possibilita ao candidato a motorista um treinamento emocional antes de sair para as ruas com excesso de autoconfiança e falta de noção do perigo.
- Eu chamo isso de "cagaçoterapia" - exclama Pierotto, após ser ultrapassado por uma ambulância, não conseguir vencer a curva e bater no guard-rail à direita, tudo isso tendo chuva e noite como cenários.
Ao ver os vidros estilhaçados, complementou:
- É muito bom a pessoa ver que o acidente acontece mesmo e qual é a sensação que ele provoca. Aqui foi só o vidro, mas, na vida real, poderia ser o nariz dele quebrado. Ele começa a pensar mais antes de agir.
Os percalços, que poderiam ser fatais na vida real, mostram que nenhum dos dois, motoristas experientes, sentiu-se como se estivesse no trânsito. Mesmo assim, eles associaram as barbeiragens à falta de prática com videogames, já que o carro para treino se assemelha ao fliperama.
O carro simulado não anda mais do que a 50 km/h. O baixo ruído do motor virtual impediu Sousa de ter a percepção exata de dimensão, espaço e velocidade. Foi vítima de colisão traseira por cinco vezes em 10 minutos de teste.
- É que tu estavas com uma velocidade muito baixa - argumentou o instrutor do CFC.
- Não, andava devagar por causa da chuva, mas acima da mínima permitida, de 25 km/h - disse Sousa, explicando que o choque não fora educativo, pois estava cumprindo a lei.
A cada infração cometida ou recomendação ao motorista, um alerta era grafado na tela.
- Olha aqui, um erro de português. Isso não pode - comentou Sousa, referindo-se ao erre ausente no "ligue o parabisa", que também não levava hífen conforme as normas ortográficas.
A atuação dos voluntários foi monitorada pelos técnicos do Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran), que agendaram os testes e disseram que as ponderações seriam retransmitidas ao fabricante, já que o simulador ainda passa por aperfeiçoamentos.
Cada Estado decide sobre uso da máquina
Quase sete meses depois de se tornar obrigatório nas autoescolas gaúchas o uso de simulador entre as aulas teóricas e práticas, apenas quatro Centros de Formação de Condutores (CFCs) dos 272 no Estado ainda não adquiriram o equipamento. Eles estão em Caxias do Sul, Piratini e Rio Pardo e possuem convênio com estabelecimentos vizinhos, que alugam as aulas até que a situação se normalize.
O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) voltou atrás na obrigatoriedade para que novos condutores de categoria B (automóveis) de todo o país passassem por aulas no simulador de trânsito. A decisão agora é facultativa para cada Estado, segundo resolução publicada no Diário Oficial em junho. Como o Rio Grande do Sul estava com a maior parte dos equipamentos comprados, o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) publicou resolução mantendo a exigência.
Em São Paulo, mais de 700 equipamentos foram distribuídos - restariam outros 200 para completar a demanda. O Estado do Sudeste também optou pelo uso dos simuladores. Como a resolução do Contran é recente, outros Estados ainda estão decidindo se adotam o sistema.
Eduardo Cortez Balreira, consultor técnico do Sindicato dos CFCs do Rio Grande do Sul, acredita que a iniciativa representa mais uma ferramenta para combater acidentes, que pode potencializar o aprendizado dos alunos, mas ainda precisa evoluir em termos pedagógicos. Segundo ele, 300 mil aulas foram ministradas desde janeiro, quando o equipamento entrou em ação com retornos positivos dos instrutores.
Ele adianta que os profissionais serão estimulados a utilizar os relatórios com os erros dos alunos para direcionar as aulas práticas. Além disso, a documentação eletrônica servirá para apontar os 10 principais erros durante as aulas com simulador para basear uma cartilha pedagógica.
A opinião dos especialistas
Pontos positivos
- Conhecimento prévio do funcionamento do veículo no ambiente virtual e controlado, com a possibilidade de viver episódios que não são comuns nas aulas práticas, como dirigir em situações adversas de volume de tráfego e na estrada.
- O freio parece real.
- A largura das pistas foi considerada fiel.
- Gerar relatórios que ficam armazenados no computador pode ser útil para diversos fins, como ter um dossiê da evolução do candidato nas aulas simuladas que possa ser consultado em caso de envolvimento em acidente de trânsito, além de auxiliar o instrutor que ministrará as aulas práticas.
- Possibilita a vivência da ordem correta dos procedimentos no trânsito, como colocar o cinto, puxar o freio de mão, sinalizar antes de dar a partida, botar e tirar o pé da embreagem e utilizar as marchas adequadas para cada situação.
Pontos negativos
- O barulho do motor é imperceptível, assim como o do pneu rolando no chão e o ruído dos outros carros e obstáculos passando, o que dificulta o aluno a se situar na troca de marchas e na noção da velocidade.
- Fica difícil de enxergar o ponteiro da velocidade, já que a direção está praticamente no mesmo nível e tampa a marcação, o que, somado ao déficit do barulho do motor, deixa o motorista sem referências.
- O acelerador e a embreagem são rígidos e é preciso pisar muito fundo para acelerar, o que dificulta o controle do carro.
- Apesar da direção ser bastante dura, o movimento lateral é muito sensível, fazendo com que o carro seja jogado para a pista contrária ao menor toque.
- As três telas de computador que simulam a pista estão dispostas em formato de "u" aberto, o que dá a impressão de os carros estarem vindo de uma curva e não de uma reta, prejudicando a noção de espaço do motorista.
- Na simulação de chuva, apenas o barulho da água no para-brisa dá a noção do mau tempo. Não se sente a derrapagem. Além disso, o volume de água não atrapalha a visibilidade, o que ocorre na realidade.
Regras que não pegaram
Nos últimos anos, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) baixou normas que não emplacaram ou não são respeitadas. Confira algumas:
Descanso do caminhoneiro - Em abril de 2012, a Lei do Caminhoneiro determinou que os motoristas fizessem paradas obrigatórias nas rodovias para descansar. Um dos itens previa 11 horas de repouso a cada 24 horas de trabalho. A fiscalização foi adiada porque as estradas brasileiras não têm estrutura para as paradas.
Curso para motoboy - Em 2010, fixou que motociclistas de transporte de passageiros (mototaxista) e de entrega de mercadorias (motofretista) deveriam fazer um curso de segurança no trânsito. Seria a credencial para poderem trabalhar.
Kit de primeiros socorros - Em 1998, motoristas foram obrigados a levar no automóvel um kit de primeiros socorros. Milhares compraram o estojo com os produtos indicados, mas ficaram no prejuízo porque a determinação deixou de valer a partir de abril de 1999.
Vidros escuros - Também em 1998, foi estabelecido que veículos com vidros escurecidos por películas deveriam ter percentuais mínimos de visibilidade, no para-brisa e nas laterais. Também não poderiam ser reflexivos, para não ofuscar outros motoristas.