Aniquiladas a facadas, alvejadas com disparos de revólver, espancadas a morte - tudo isso em um ambiente que, familiar, deveria ser saudável. O fim da vida foi trágico, em 2013, para 92 mulheres - todas vítimas de violência doméstica no Rio Grande do Sul.
E o número poderia ter sido maior. Segundo dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP), no ano passado 229 mulheres conseguiram escapar da morte em 89 cidades gaúchas, ficando às margens de entrar para as estatísticas dos femicídios enquadrados na Lei Maria da Penha no Estado.
Não se pode chamar de sorte, mas de desfechos menos infelizes. As tentativas de homicídio contra a mulher gaúcha começaram a ser mensuradas pelo Observatório da Violência Contra a Mulher - parceria entre a SSP e a Secretaria de Políticas Para as Mulheres - com o objetivo de evitar futuras mortes.
- Nos assassinatos, de uma forma geral, não há como prever quem vai matar quem. Mas na violência doméstica, monitorar os dados significa ter indícios de que aquela mulher está em situação de perigo. Nesses casos, autor e vítima estão bem delineados - afirma o titular da SSP, Airton Michels.
As estatísticas mostram que, em 2013, a cada 38 horas uma mulher sofreu atentado à vida no Estado. As cidades que lideram a lista são Porto Alegre, com 36 casos, Rio Grande, com 11, e Caxias do Sul, com 10.
- São números altos, ainda mais considerando que todas essas ocorrências poderiam ter sido convertidas em mortes de fato. Imagina: se metade dessas tentativas fossem consumadas, teríamos, no ano passado, o dobro de mulheres mortas pela violência doméstica do que registramos em 2012 - aponta o secretário.
Ao longo dos quase oito anos em que a lei está em vigor, cada vez mais mulheres têm se sentido encorajadas a denunciar as agressões que, em sua maioria, são feitas pelos próprios companheiros ou ex-companheiros - conforme dados do Relatório Lilás, documento elaborado ano passado pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.
De acordo com a senadora Ana Rita, relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que fez, ano passado, uma radiografia da violência doméstica contra a mulher no Brasil, dois terços das vítimas de tentativa de homicídio procuram a delegacia.
-Considero isso um grande avanço. Significa que a mulher tem mais serviços à disposição e está mais bem informada. Hoje, 90% das mulheres brasileiras conhecem a Lei Maria da Penha ou já ouviram falar - diz.
No entanto, a análise feita pela professora Lia Zanotta, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade de Brasília (UnB), é de que os 229 casos computados pela SSP em 2013 são um número mínimo. Para ela, ocorrências registradas como ameaça ou lesão corporal também poderiam ser enquadradas como femicídio tentado.
- Uma ameaça feita com revólver deveria ser analisada diferentemente de uma ameaça verbal, o que a gente não vê acontecer na maioria dos juizados. Existem situações severas sendo tratadas como se não tivesse havido, como normalmente há, uma intenção do agressor de ferir a mulher ou até mesmo de matá-la - afirma a docente.
Lia e Ana Rita convergem opiniões quando dizem que os femicídios tentados são causados, principalmente, por ciúmes ou raiva pelo anúncio da separação. O machismo, ainda muito forte na sociedade brasileira, impera sobre a sanidade, tornando a ameaça mais radical.
- Infelizmente, os agressores pensam que castigar a mulher fisicamente é sinônimo de ser macho - diz a professora.
A senadora concorda:
- O homem usa a violência para subordinar, controlar e manter a mulher obediente. Ele quer silenciá-la, torná-la submissa e incapaz de sentir seus próprios desejos. Isso se potencializa quando há a influência de álcool e drogas, algo que não é raro.
Tipo de crime comum a todas as classes sociais, a violência contra a mulher ocorre, em mais de 80% dos casos, dentro de casa - um espaço privado onde, em tese, a polícia não pode estar para testemunhar. Foi o que aconteceu com Barbara.
No Rio Grande do Sul...
# 50,4% dos femicídios têm como autor o atual marido ou companheiro;
# Ex-maridos ou companheiros são responsáveis por 25,5% dos assassinatos contra a mulher;
# O crime acontece dentro da residência da vítima em 83,4% dos casos;
# Em 41,7% dos casos, já havia registros de outros delitos que antecederam o femicídio;
# A cada dez mulheres gaúchas assassinadas, seis têm filhos com o autor do crime;
# Em 85% dos femicídios, as mulheres foram executadas com auxílio de armas (revólveres e objetos pontiagudos)
# O motivo mais frequente do assassinato é o divórcio ou a separação, correspondendo a 51% das ocorrências
# Das mulheres mortas, 41,7% já haviam reportado situações de violência contra o mesmo autor
# 49,6% das mulheres foram assassinadas até 3 meses depois de comunicar a agressão à polícia
Fonte: Relatório Lilás 2013 (Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul)